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Nos tempos em que fui juiz, vigorava a idéia de que uma das virtudes do magistrado era um acendrado recato. O princípio é, sem dúvida, corretíssimo. O juiz, na vida pública e particular, deve fazer-se credor do respeito da comunidade através de uma conduta condizente com a grandeza de sua função. Muitos atos, absolutamente lícitos à generalidade das pessoas, não são apropriados para aquele que desempenha a função de juiz.
Mas se por recato entende-se que o juiz deve guardar-se de qualquer contato externo, afastar-se da imprensa, isolar-se no mundo dos autos, esse procedimento não me parece condizente com uma visão democrática do Poder Judiciário.
Aliás, nem poder o Judiciário deveria ser, mas serviço – Serviço Judiciário. Assim também, endereçados ao bem público, o Serviço Legislativo e o Serviço Executivo. Não obstante as conhecidas justificações teóricas para que se considere o Judiciário como poder (dentro da tese de três poderes), cabe analisar a questão numa outra perspectiva, que privilegie o social e o ético. Então, a Justiça será entendida como um serviço e o juiz como servidor.
Partindo dessas premissas, a Justiça tem de ser aberta e não fechada. Um processo só pode correr debaixo de sigilo quando razões de respeito à pessoa humana o exijam. As portas da Justiça têm de estar sempre franqueadas. Nunca a exigência de roupa ou calçado pode obstar a entrada de alguém nos recintos judiciais.
Arrostar o pensamento dominante, na época em que exerci a magistratura, custou-me alguns percalços que hoje compreendo com clareza. Fui censurado, em razão de uma entrevista que concedi a jornal. Essa entrevista continha críticas (teóricas) ao Poder Judiciário, decorrentes de um livro que eu havia publicado. De outra feita, recebi ofício advertindo-me de que não deveria publicar no Diário da Justiça os relatórios estatísticos de minha comarca.
A conduta da cúpula judiciária estava de acordo, a meu sentir, com o entendimento, então vigente, dos limites que se impunham ao papel do magistrado.
Pautei a linha de meu procedimento, em oposição à concepção imperante, não com a intenção de ser ”diferente”. Na verdade, pareceu-me que abrindo a toga ao conhecimento público eu contribuía para o avanço da cidadania, nem que fosse apenas no restrito âmbito de minha comarca, já que no cenário nacional os tempos eram de escuridão.
Agora, quando ligo a televisão e vejo a TV Justiça, tenho uma profunda satisfação interior. Constato que a intuição que me acudiu, no sentido de perceber a Justiça como terreno aberto ao povo, não foi despropositada. Assisto a sessões do Supremo Tribunal Federal. Vejo a imagem dos ministros e acompanho os votos que proferem. Nos noticiários, tomo conhecimento do que anda a acontecer nos arraiais da Justiça, por todo o território deste vasto país. É o Serviço Judiciário aberto à atenção e à fiscalização popular.
Lamento apenas que a TV Justiça não seja um canal aberto com penetração em todo o território nacional, inclusive nas cidades do interior. O avanço tem de ser complementado. É preciso que todos os televisores possam captar o sinal da TV Justiça. Aí sim, as salas dos tribunais estariam dentro de nossas casas, como imposição de cidadania.
Obs: O autor é magistrado aposentado (ES), escritor, professor, palestrante.
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