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Inspira o artigo de hoje a apreensão do papagaio de uma criança, em Vila Velha (ES), fato a que se seguiu a devolução do bichinho à dona, por determinação da Justiça Federal.
Merecem apoio e incentivo os servidores do Ibama na dura luta que enfrentam para defender o meio ambiente.
O universo natural ficará mais pobre se a espécie conhecida como “Papagaio Chauá” desaparecer. O papagaio da menina é justamente dessa espécie.
Em tese, está certo o biólogo Jacques Passamani, do Ibama, quando aconselha o zelo na preservação do patrimônio ambiental. Não deve ser estimulado o hábito de retirar determinados animais da natureza, para criá-los em casa.
Se o princípio geral merece guarida, a decisão administrativa a respeito do papagaio da menina Thays, a meu ver, não é credora de aplauso. O papagaio de Thays Guimarães Badaró não compromete a sobrevivência do Chauá. Não é o último exemplar da espécie, do seu sexo. Não há de ser recolhido, como derradeira salvaguarda do futuro, a exemplo do que fez Noé, na sua arca.
Se juiz ainda fosse, com a devida competência legal para julgamento do caso, subscreveria com honra a sábia decisão do magistrado Roberto Gil Leal Faria, deferindo sem pestanejar a tutela antecipada requerida no processo.
Lançando sobre o caso judicial uma análise mais ampla, vislumbro um significado jurídico muito grande na decisão sob exame.
A lei, na sua formulação original, é fria, impessoal, distante dos dramas humanos. Daí que a interpretação literal da lei conduz, freqüentemente, à injustiça.
Roberto Gil Leal Faria foi o “bom juiz”, que deve ser exaltado e não apedrejado, como sempre quiseram os idólatras do texto legal.
Paul Magnaud, o magistrado francês do modesto tribunal de Château-Thierry, foi o primeiro a receber o título de “bom juiz”. Não, porém, com a intenção de elogiá-lo, mas sim de detratá-lo. Quando a lei ainda não contemplava a exclusão de criminalidade daquele que furtava para salvar-se da fome, Magnaud absolveu Louise Menard, que furtou um pão para saciar a própria fome e a de sua Mãe.
O bom juiz Roberto soube lançar um olhar afetivo sobre a menina Thays, no seu pleito, na sua angústia.
Até onde vai a comunicação entre animais e pessoas? Thaís identificou o papagaio Zé, em meio a dezenas de outros papagaios que se encontravam no “Centro de Reintrodução de Animais Selvagens”, em Aracruz. O papagaio Zé reconheceu Thaís. Chegaram a travar um diálogo: “Oi, amor”, disse Thaís. “Papai, mamãe”, respondeu Zé.
Quantos anos viverá o Zé na companhia de Thaís? Quantos anos viveria o Zé, desgarrado daquela que o ama? Creio que o Zé sobreviverá por mais tempo sob o amparo da Thaís. E quanto ao Zé, que é fêmea, reproduzir-se, isto pode ser providenciado.
É preciso preservar os papagaios, evitar sua extinção. Mas é preciso também preservar o sonho e a ternura que tendem à extinção, neste mundo insípido.
Obs: O autor é magistrado aposentado (ES), escritor, professor, palestrante.
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