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Em situações adversas, diz-se que o avestruz procura esconder a cabeça. Mas há controvérsias sobre tal atitude dessa ave vultosa e elegante originária da África. O que observadores mais atentos afirmam é que o avestruz encosta a cabeça no chão a fim de escutar se algum predador se aproxima. Deve ter o ouvido mais aguçado do que o alcance da vista. De todo modo, ainda que seja lenda, é comum ouvirmos que, diante do medo, o avestruz enterra a cabeça. Isso parece não resolver o problema. Para o momento, fiquemos com essa imagem e o que ela ensina.

O coronavírus é um desses predadores de que todos tememos. Uns o temem em maior, outros em menor grau. Há muitos que, infelizmente, por ele já foram devorados. Muitos outros ainda assim desacreditam ou relativizam seu poder mortífero e as diversas e incalculáveis sequelas que ele pode trazer. Nesse contexto, pode-se observar que a pandemia, com todas as suas causas e consequências, está intrinsecamente articulada com a lógica da modernidade líquida (Zygmunt Bauman), fase atual da história que muitos preferem chamar de pós-modernidade.

Agora, mais que em outros tempos, experimentamos confluências de crises com suas múltiplas incertezas, indefinições, riscos, perigos, inseguranças e medos. Nem a saúde, nem a democracia e nem a razão estão a salvo. Também não estão a salvo a vida, a verdade e as utopias. Ah, as utopias, que muitas vezes preferimos chamar de esperanças, de sonhos e de ideais também parecem estar recolhidas, encolhidas, definhadas, desacreditadas. Ou estarão sendo reformuladas, recriadas, refundadas, ressignificadas? Aquela ideia-força de que “outro mundo é possível” ainda o será?

Do conjunto de problemas e crises nas variadas esferas da vida humana com suas múltiplas reações verificadas na sociedade – muitas vezes retratadas no comportamento do avestruz – parece necessário invocar a atitude de outra ave: a coruja. Esta, de aparência ainda mais exótica, encontrada em todos os continentes, sempre silenciosa, com vida ativa noturna e vida diurna “reflexiva”.  Tida pela mitologia grega como símbolo da sabedoria, do conhecimento e da filosofia. Pode ser adotada por nós como ave a nos inspirar a sabedoria, a ciência, a consciência e a persistência necessárias para agir da melhor maneira possível a fim de salvar a vida, a integridade do universo e a dignidade de todos.

Por imposição da pandemia, estamos sendo estimulados ao isolamento, mas também à reflexão e ao exercício da racionalidade humana crítica e criativa. Trata-se de um convite à humanidade como um todo e a cada um/a em particular aos voos simbólicos e reais da águia. Ave representativa da coragem de voar alto, de olhar de cima, de sobrelevar-se aos problemas. Águia que, ao contrário do avestruz, mira a realidade desde uma perspectiva mais ampla e assim consegue alargar o horizonte de possibilidades, ver outras saídas, projetar, sonhar, voltar a viver.

É tempo de reconstruir esperanças, utopias, sonhos… O período do advento e o Natal que estamos preparando nos ajudam nesse sentido. Mas, nossas esperanças não podem ser esperas ingênuas, poucas ou pequenas, individuais ou meramente materiais. Precisamos esperançar as esperanças com as melhores utopias e ações embasadas na solidariedade fraterna, na justiça social, na paz verdadeira. As palavras parecem sempre limitadas para traduzir o “que fazer” nesse momento da história humana. Elevemos, porém, nosso olhar um pouco mais para o horizonte, tal como nos ensina a águia, a fim de realizarmos os voos capazes de (re)constuir as utopias que nos fazem viver!

Obs: O autor é Doutor em Sociologia, pós-doutor em Educação e professor da Universidade Federal do Sul da Bahia

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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