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A educação que visa o pleno desenvolvimento humano
não pode omitir o conhecimento e o estudo das
religiosidades e dos fenômenos religiosos, objetos de
estudo do Ensino Religioso. O fenômeno religioso é
indissociável da vida das pessoas, não podendo estar
ausente dos estudos realizados na escola.

A BNCC, base de toda a elaboração e reescrita dos currículos do Novo Ensino Médio, resgata o acúmulo das definições ocorridas nas últimas décadas sobre concepção e importância do Ensino Religioso no ambiente escolar. Este resultado compõe esforços de muitas mentes e mãos que estudaram e estudam o Ensino Religioso, hoje reconhecido como área de conhecimento no EF (Ensino Fundamental) e componente curricular da área de conhecimento Ciências Humanas e Sociais Aplicadas (no caso do RS).

A finalidade do Ensino Religioso é o conhecimento dos fenômenos religiosos, na perspectiva da diversidade religiosa. Fundamenta-se na ideia de que é preciso “conhecer para respeitar”, trabalhando os conhecimentos religiosos sem proselitismo, mas reconhecendo sua importância na formação histórica e cultural dos diferentes povos e de toda humanidade e afirmando valores que promovam o respeito, a alteridade, a ética e convivência pacífica como pilares de uma sociedade justa e equilibrada.

Breve histórico Educação no Brasil e o Ensino Religioso

A Lei 5692/1971 fez importantes modificações no Ensino Médio, nominando esta modalidade de ensino como “Segundo Grau”, acrescendo o quarto ano para a qualificação profissional de nível técnico. Esta lei refere-se ao Ensino Religioso Escolar no artigo 7, colocando-o como disciplina nos horários normais dos estabelecimentos de ensino, tanto no primeiro como no segundo grau. A Constituição de 1988, por sua vez, institui o “ensino religioso de matrícula facultativa, como disciplina dos horários normais das escolas públicas de Ensino Fundamental”. Mesmo sem ser mencionado, o Ensino Religioso no Ensino Médio, escolas da rede particular mantiveram esta disciplina. O Estado do RS, por conta de sua Constituição Estadual, também prevê a disciplina do Ensino Religioso no Ensino Médio.

Quase dez anos depois, a nova LDB, Lei 9394, de 20 de dezembro de 1996, reorganiza a estrutura da educação brasileira em educação básica e educação superior, sendo a primeira dividida em três: educação infantil, educação fundamental e educação de ensino médio. O ensino médio passa, no artigo 35, a ser a etapa final da educação básica com a “finalidades de consolidação e aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento dos estudos, a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.

O artigo 36 da LDB afirma que o Currículo do Ensino Médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular e pelos Itinerários formativos específicos regulamentados pela Medida Provisória 746/2016, a serem definidos pelos sistemas de ensino, a partir das áreas de conhecimento. Esta medida provisória afirma que os currículos deverão trabalhar a formação humana integral e adotar trabalho orientado para Projeto de vida e aspectos cognitivos socioemocionais, conforme diretrizes do MEC.

Cabe destacar que o FONAPER (Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso), ao longo de seus 25 anos de existência, organizou 5 eixos organizadores de conteúdos para cada uma das séries do Ensino Fundamental: Culturas e Tradições Religiosas; Escrituras Sagradas e/ou Tradições Orais; Teologias; Ritos; Ethos. Estes eixos que se constituíram no passado tinham e tem o interesse de dar identidade ao Ensino Religioso que, numa escola plural, deve atender ao plural sem ferir identidades.

 Cabe ainda destacar que diversas Editoras investiram em vista deste novo jeito de ver o Ensino Religioso, muito mais que confessional, muito mais que ecumênico, mas inter-religioso.

No Rio Grande do Sul, o Ensino Religioso é parte integrante do currículo do Ensino Fundamental e Médio, atendendo ao disposto na Constituição Estadual de 1989, compondo, juntamente com as demais áreas do conhecimento, um todo orgânico e interdisciplinar, com foco na construção efetiva de aprendizagens significativas. Observando o que está posto na Resolução CEB/CNE nº 04/2010, na Resolução CEB/CNE nº 07/2010, no Parecer CEED/RS n°290/2000 e na Resolução CEED/RS 256/2000, entende- se o Ensino Religioso numa perspectiva interreligiosa, onde objeto de estudo é o Conhecimento Religioso que proporciona a compreensão de conceitos de imanência e transcendência, assegurando o respeito à diversidade cultural e religiosa do povo brasileiro, sem proselitismo, conhecendo as diferentes Matrizes Religiosas.

Ensino Religioso e Educação Integral

Na perspectiva de uma formação plena e integral justifica-se a presença do Ensino Religioso no ambiente escolar.

Na sociedade brasileira, a diversidade religiosa é componente cultural reconhecido. Nela todas as crenças religiosas devem ser conhecidas e estudadas para serem respeitadas, fortalecendo os laços de solidariedade, fraternidade, respeito e convivência com diálogo nos quais se assenta a vida social.

Considerando o ser humano em sua totalidade, para além da dimensão racional, a religiosidade e suas diferentes expressões, compõe uma dimensão humana relevante. A educação que visa o pleno desenvolvimento humano não pode omitir o conhecimento e o estudo das religiosidades e dos fenômenos religiosos, objetos de estudo do Ensino Religioso. O fenômeno religioso é indissociável da vida das pessoas, não podendo estar ausente dos estudos realizados na escola. Neste sentido, a escola estará colaborando para superar uma visão fragmentada e meramente racional da vida, do conhecimento e do mundo, valorizando a dimensão espiritual de nossa existência.

A escola, tanto quanto a sala de aula, pensadas como mediadoras na formação integral das pessoas, não podem deixar de abordar, numa fase tão importante que é a juventude (com seu pensar crítico, questionador e reflexivo), o conhecimento religioso que envolve a todos, bem como o conhecimento dos ateus e dos agnósticos, mesmo que seja apenas para compreendê-los, nunca para modificá-los.

O Ensino Religioso quer valorizar o patrimônio cultural religioso produzido a partir da relação do conhecimento Revelado (transcendência e Transcendente das tradições) e o conhecimento produzido pelas capacidades humanas que advém da dimensão da observação e pelos sentidos e uso da razão/reflexão. Ao valorizar os conhecimentos religiosos, filosóficos e científicos, em diálogos permanentes, podemos permitir que o jovem, no decorrer dos estudos, valorize a pluralidade cultural, respeite o princípio da alteridade e se desenvolva na dimensão da autonomia e do protagonismo juvenil.

As Tradições Religiosas, a partir das Ciências Humanas, e no específico Ciências da religião, têm muito a oferecer a partir do conhecimento religioso em vista das metas e objetivos a que se propõe a educação neste momento histórico.

Conhecimentos e habilidades que podem se consolidar no Ensino Religioso Ensino Médio

A BNCC apresenta competências específicas de Ensino Religioso para o Ensino Fundamental, que, no Ensino Médio, podem ser resgatadas para a consolidação do conhecimento.

“1. Conhecer os aspectos estruturantes das diferentes tradições/movimentos religiosos e filosofias de vida, a partir de pressupostos científicos, filosóficos, estéticos e éticos. 2. Compreender, valorizar e respeitar as manifestações religiosas e filosofias de vida, suas experiências e saberes, em diferentes tempos, espaços e territórios. 3. Reconhecer e cuidar de si, do outro, da coletividade e da natureza, enquanto expressão de valor da vida. 4. Conviver com a diversidade de crenças, pensamentos, convicções, modos de ser e viver. 5. Analisar as relações entre as tradições religiosas e os campos da cultura, da política, da economia, da saúde, da ciência, da tecnologia e do meio ambiente.6. Debater, problematizar e posicionar-se frente aos discursos e práticas de intolerância, discriminação e violência de cunho religioso, de modo a assegurar os direitos humanos no constante exercício da cidadania e da cultura de paz”.

O diálogo inter-religioso é uma ferramenta indispensável para o estudo dos conhecimentos das diferentes tradições religiosas, movimentos religiosos e filosofias de vida. Compreender as diferenças e as semelhanças que existem nas religiões, na sua busca pelo Transcendente (Ser Superior) e nos seus fundamentos de fé sem julgamentos, nem moralismos e nem proselitismo, é fundamental para uma educação que promova a tolerância, o diálogo, o respeito às diferenças.

Seguem sugestões de habilidades que podem contribuir para a consolidação dos conhecimentos do Ensino Religioso no Ensino Médio, bem como podem definir a especificidade da atuação deste componente curricular nesta última etapa de formação da Educação básica.

  1. Ser humano: um ser integral: Entender o ser humano em todas as suas dimensões e potencialidades e compreender a importância das competências e habilidades socioemocionais;
  2. Sentido de vida e Projetos de vida:  Integrar o sentido de vida, uma das grandes buscas humanas, que se traduz em razões suficientes para viver, na elaboração dos Projetos de vida dos estudantes do ensino Médio;
  3. Ética e relações sociais: buscar o sentido das ações humanas, tendo em vista a promoção do bem comum, da solidariedade e da cooperação;
  4. Relação de cultura e religiosidade: olhar para a realidade dos diferentes povos e nações para compreender como estão entrelaçados na sua cultura os aspectos religiosos; perceber como os diferentes povos e nações assentam a sua história a partir da religiosidade e da fé de seu povo;
  5. Espiritualidade na dimensão do cuidado: perceber a necessidade de cuidar de si, cuidar dos outros, cuidar da natureza e cuidar do Transcendente para viver uma vida mais plena e realizada;
  6. Ateísmo e agnosticismo: Compreender o ateísmo e agnosticismo como frutos de escolhas pessoais e que devem ser respeitadas, sem discriminação, e em diálogo respeitoso com os que declaram sua fé;
  7. Paradoxo: secularismo X fundamentalismo: entender como a sociedade atual se conforma entre negação do poder religioso e a forma autoritária de vivenciar os valores religiosos;
  8. Diversidade religiosa e liberdade de crença como direitos humanos. Entender que o direito à crença e a liberdade de expressá-la são garantias de cada pessoa e de cada grupo humano e que o Estado brasileiro é um Estado Laico, não promovendo nenhuma religião, mas reconhecendo a importância de todas;
  9. História e religiosidade dos povos africanos e indígenas em território gaúcho: Compreender e reconhecer a importância e a relevância da história dos povos africanos e indígenas na constituição da história do RS;
  10. Elementos de Fundamentação, em diferentes Tradições, para as datas significativas na cultura local: estudar eventos próximos da comunidade escolar – feriados e suas motivações, temas Dia da solidariedade, Mulher, Finados, outros, sempre no viés de entender como as tradições religiosas as significam.

Se você quer participar da Consulta Pública do Referencial Curricular Gaúcho (RCG) dando sugestões, críticas ou novas proposições ao documento, clique aqui. No específico Ensino Religioso, ele é componente curricular integrante das Ciências Humanas e Sociais Aplicadas (CHSA). 

O RS é um dos poucos estados brasileiros que mantém o Ensino Religioso também no Ensino Médio. O convite que te faço é para que leias o documento, traga críticas e sugestões para enriquecer as concepções e os horizontes da implantação do Novo Ensino Médio, a partir da Formação Geral e dos Itinerários Formativos.

Obs: O autor é professor, escritor e ativista em direitos humanos, desde Passo Fundo, RS

A autora – Gládis Pedersen, teve  a colaboração de Nei Alberto Pies, Marilu Vedoya Grenzel e Valdecir João Bianchi.

O vídeo é do autor Nei Alberto Pies.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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