Foi ainda no tempo do primário. Eu pairava nos  nove para dez anos, por aí assim. No sábado, lá para às 9 horas, saia da loja de papai para comprar tijolo na feira, ali, a frente. Entre as barracas, havia um corredor um tanto largo, que facilitava o feirante. Eu adquiria um ou dois tijolos e recuava. O nome, esse mesmo: tijolo. Era maior e mais volumoso do que a espécie e menor que a rapadura. Era feito da raiz do umbu, variando a cor, uns, brancos; outros, amarronzados.

A atração do tijolo, um dia, cessou, sem deixar saudade. Ou porque não mais me agradou, ou por outro motivo qualquer que se perdeu na estrada do tempo. Na loja, religiosamente, papai tinha bolo de milho e de macaxeira, que, aqui e ali, eu ia beliscando. Ainda hoje, o bolo de milho me traz de volta à loja de papai. O bolo ficou, o tijolo é que rumou para o beleléu.

Ocorreu o mesmo com o araçá, do miúdo, que eu sempre associo aos tempos de chuva. A manhã nublada, temperatura amena, e eu, cedo, na loja de papai, a devorar o araçá, que, pelo tamanho, não enchia a barriga e podia ser deglutido a qualquer momento. Depois, também, desapareceu, e quando invocado, ouço Luiz Carlos dizer que cortaram os pés de araçás para plantarem capim. O araçá ficou me assombrando, como morto que não quer ser esquecido.

Fui encontrá-los, no papel, esclareça-se, de logo, décadas e décadas depois. Em História dos sabores pernambucanos, de Maria Lectícia Monteiro Cavalcanti, em meio às frutas da brincadeira, com direito a foto, e nela, o mesmo araçá da feira de Itabaiana para espetar minha saudade. Se lá, foi dizimado cruelmente, não ficando um só para remédio, em Pernambuco mereceu a referência em livro, honra que o araçá itabaianense não teve, a não ser a tardia primazia de meu registro. Já o tijolo, em  Doce Pernambuco – uma viagem pela memória história e cultura da doçaria pernambucana, de Raul Lody, descrito como doce em barra que lembra o formato de um tijolo; rapadura; forma do doce em barra, p. 241. Só um adendo: o tijolo, a que me refiro, só tinha parentesco com a rapadura no formato. E mais nada.

De tudo, a certeza de que, independente do avanço do tempo,  um pouco da  infância  ressurge, grudada na nobreza de livro, a sacudir a poeira e me fazer um bem danado – Diário de Pernambuco, 11 e 12 de julho de 2020.

Obs: Publicado no Diario de Pernambuco
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras   

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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