A turma, bem heterogênea, uns poucos vindos diretamente do curso secundário, a espantosa  maioria de adultos, casados, uns diplomados em Economia, outros em Licenciatura disso e daquilo, algumas mães que, talvez, filhos crescidos, encontravam tempo para fazer o curso superior, dois sacerdotes e um fiscal de renda estadual que tinha Bispo no nome e nunca chegou a cardeal. Entre as mulheres, uma, em especial, com muita pose e jóias, a exibir uma nobreza industrializada. Essa a turma que começou o ano de 1969, na Faculdade de Direito de Sergipe, e, na quase totalidade, terminou o curso em 1973. Eu, no meio.

Entre tantos acontecimentos, à arte de colar, requisito no qual, apesar de não ter sido tão santo assim, sobretudo em matemática, nos tempos do ginásio, me deixou de boca aberta. Não batizemos as duas mulheres que mais colavam, mesmo porque já partiram para o além há muitos anos e não deram trabalho no fórum. Acho até que por lá nunca pisaram. Fiquemos só no fato e em alguns detalhes. As colas eram anotadas em diversas tiras de papel, e, pasmem os que estão a ler essas linhas, eram pregadas nas pernas, precisamente, nas coxas, com o cuidado de se sentarem ao lado da parede, a fim de poderem consultá-las sem serem vistas por nenhum colega, nem pelo professor. Confesso, sem ter ficha limpa, que me espantei, ainda no primeiro ano, com a maestria de algumas colegas, justamente, as mais velhas, mães de família, etc. e etc.

Era ter teste e as pernas daquelas eminentes senhoras se enchiam de tiras de papel, como se fossem enfeites de baile de São João, até onde a discrição determinava. Eu assim afirmo porque, um dia, distraidamente, cheguei a ver. Portanto, não é invenção alguma de minha parte. Papeis curtos, a depender da matéria e dos pontos, sobretudo em direito civil, a letra, bem miúda e legível, onde os pontos do teste se fixavam para, se deprecado, poderem ser utilizados.

Tudo passou em brancas nuvens. Não ocorreu prisão em flagrante delito, nem instauração de  inquérito policial. Contudo, um dia, um colega, bem espirituoso, João Emílio, viu Diana se preparando para o banho. Ou seja, viu as pernas da colega salpicadas de colas. Aí, falou alto, a ponto dos escribas anotarem: Quem me dera ser um gato … para comer essas pelancas – Diário de Pernambuco, 19 e 20 de setembro de 2020.

Obs: Publicado no Diario de Pernambuco
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras   

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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