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(para Murilo Mendes – 1901-1975)

Ele trouxe (e manteve)
o olho precoce para os dois mundos:
o visível e o invisível.
O olho de menino antigo.

E ficou largo
de uma mitologia infantil:
prosas e versos
harmonizadores dos contrários
e rompedores da inércia
e do convencionalismo.
E assim construiu a sua metáfora
da criação do mundo.

No início,
entre o dia e a noite,
foi o fogo subindo
no seu pequeno corpo,
com a sentada de Lili
nos seus joelhos.

Começava ali
a captar notícias de Eros,
envolto no ar sonso do mundo.

Depois,
o aprendizado
de todos os nomes do demônio,
crismado de admiração,
terror e espanto pelo Príncipe das Trevas.
acreditando, primeiramente,
na idéia desordenadora do demo
e, só depois,
na idéia ordenadora de Deus.

Em seguida,
Analu e o primeiro beijo
com gosto de bergamota.

Lendo a insaciedade do mundo,
cedo aprendeu que a fome
será sempre analfabeta,
mesmo sabendo ler.

No embate com as religiões,
viu que o desafio delas
é tornar atraente a virtude,
para que esta não se revista
da mais profunda chatice.

Questionando sempre
o destino dos chatos,
e indagando onde Deus
os guardaria.

Porque já estava cheio
das rezas e das beatas,
acossando-as a cuidarem
de suas casas, maridos e filhos,
para ele a melhor receita
de assistência humana.

Bradou que a fé
nunca traz descanso,
mas inquietude.
E que o destino dela
é nos ultrapassar.

Dos loucos,
(que existem no mundo
para chamar o povo à razão,
como disse outro poeta)
acenou que a loucura
só existe nos pobres,
os doidos,
os doidos varridos,
os esquizofrênicos,
os desequilibrados,
os piscas,
os zuretas,
os tantãs,
os tontos,
os dementes,
os alienados,
os psicopatas
e os alterados das faculdades mentais.
Pois que, aos ricos,
só sobrou uma leve alcunha:
são apenas nervosos.

Cortejava os equilibristas dos limites
entre a “seriedade” e a mistificação,
parâmetros flutuantes e alimentadores
de monstros sagrados da literatura mundial.

Quanto às adversidades da vida,
afirmava que ou o nosso anjo da guarda
é um velho cúmplice ou dorme demais.

Mas não transferia para Deus,
seus pequenos casos ou interrogações.
Porque detestava
que o senhor dos altos céus
fosse visto sempre
como um cabide interminável.

Sobre o Amor e o seu inverso,
a Morte, descobriu que todo homem
tem sua eva, sua fênix e sua górgone.

Porque desde a morte
do seu primeiro ser amado,
ele nunca soube se a perdera
ou se a ganhara para sempre.

Num período de ensimesmamento,
(será que saiu dele?)
achava que o passado
era uma projeção anterior do futuro.

Chegou a assinar decretos
exilando o prefeito, o vigário e o juiz,
transferindo-se até de planeta,
tão pertubável se encontrava,
mais que pertubador.

Jovem,
destruiu milhares de fragmentos
de eternidade,
na masturbação anuladora
da posteridade de Adão.
Seguiu disparando
contra seus avós,
mesmo a soma do prazer
sendo diminuída pela do terror.

Pensava
que o castigo do homem
era ser despassarinhado.
Pois, no seu sonho de Ícaro,
se sentia humilhado até
pelas moscas e os besouros.

Dizia que a eternidade
é uma cobra que a gente
nunca vê o rabo.
E que o fantástico poderia ser percebido
(mas não visto)
no traspassar da vigília ao sono,
absurdo esse, afora outros,
que salvam o homem.

Dava graças aos céus
pela existência das mulheres feias
e das sem quaisquer graça,
pois acreditava que os homens
não poderiam respirar
se houvessem apenas as bonitas
e as cheias de charme.

Afirmou que o homem
é um animal reincidente no erro
e que a sua salvação
é nutrir-se de metáforas,
porque sempre rodeado
de signos, intersignos, alusões,
mitos e alegorias.

Ilustrando que,
segundo Voltaire,
depois do primeiro poeta
ter comparado a mulher a uma flor,
os que tentam repeti-lo
são todos imbecis.

Cético,
desconfiava que o homem
fora criado à dessemelhança de Deus,
depois de intuir que,
utilizando-se das distorsões
das palavras de Deus e do homem,
os indivíduos, via instituições ou entidades,
procuram sempre asfixiar no outro
as suas originalidade e genialidade,
por meio dos mais variados tipos de tortura.

Percebeu que a realidade
anda sempre com a sua irmã gêmea:
a ilusão, geradoras de formas
e situações múltiplas.

Seguiu,
bocagianamente,
odioamando as mulheres,
mesmo desconfiando que,
todos nós, homens,
um dia teremos que comparecer
ao Tribunal de Vênus.

E que o maravilhoso,
além da metáfora,
está no imediato,
porque só assim podemos manter
o olho armado para ver e rever
coisas, bichos e gente
e transfigurá-los.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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