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Imagino a revolta dos demais vocábulos da língua portuguesa quando, frequentemente, governantes abrem o dicionário. Ao fazê-lo sacam de suas páginas alguns e não outros desses vocábulos, forjando argumentos e expressões destinadas a convencer os cidadãos da necessidade e importância, da urgência e objetividade de suas escolhas ao arrecadarem e aplicarem, para determinados fins, impostos e contribuições que a maioria paga, pagando muito mais que a minoria rica e próspera, campeã mundial de concentração de riquezas. Fechado o dicionário encontra-se em primeiro lugar nos últimos anos a dobradinha composta pelos vocábulos “crise” e “fiscal”, acompanhada por combinações tais como o “ajuste fiscal”, que reclama para sua execução comportamentos pautados pela “austeridade fiscal”. Para a consolidação de tais dobradinhas põe-se em movimento uma gigantesca máquina de (des) informação e notícias, movendo “especialistas” das mais diferentes instituições, em geral, sujeitos dos próprios negócios a serem beneficiados com os frutos das escolhas ancoradas no tema fiscal. Imagino como deve estar revoltado, nesses tempos, o vocábulo “transparência”, posto que o aspecto fiscal refere-se às receitas e despesas e sem sua publicidade não haverá como sabermos que parcelas compõem a receita e quais são as que formam as despesas e o desequilíbrio das contas públicas. Afinal, (e busco outro vocábulo no dicionário) o equilíbrio fiscal não é a igualdade entre receitas e despesas? Pois é da busca do mesmo que derivam as decisões de corte de gastos. Contudo, como a “transparência” ficou guardada nas páginas do dicionário, não são as maiores despesas as que são escolhidas para os cortes, mas outras, bem menores, que representam outros interesses. Nesse sentido temos colhido várias expressões matemáticas. Em 12 de novembro de 2008 o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, IPEA, publicou o Comunicado 14, apontando que a parcela de gastos referentes aos juros da dívida pública havia levado R$ 1,267 trilhão de reais do tesouro entre 2000 e 2007. Já a saúde levara R$ 310,9 bilhões, a educação R$ 149,9 bilhões e os investimentos apenas R$ 93,8 bilhões. Para o Comunicado do IPEA os três seguimentos acima representaram 43,8% das despesas com juros. Tamanha disparidade nos leva a concluir que o equilíbrio seria atingido anos depois. Ledo engano. Atualizando dados para 2018, segundo relatório resumido da execução orçamentária do tesouro nacional, os gastos com as funções educação, saúde e investimentos representaram apenas 37,41% dos gastos com as parcelas referentes ao pagamento de juros e amortizações da dívida pública. Já para 2020, a proposta de lei orçamentária em debate no Congresso Nacional reserva R$ 415 bilhões para juros e R$ 1,239 trilhão de reais para amortização da dívida (ante R$ 786,4 bilhões autorizados em 2018 para a mesma despesa), enquanto estarão reservados R$ 362 bilhões para pessoal e encargos sociais. Nota-se dessa forma que o Estado está sendo sugado não por seus servidores, mas pela dívida. Fica assim evidente que a crise fiscal tem raiz, que são as despesas com a dívida pública e não os gastos sociais ou previdenciários. Por isso a supremacia dos interesses do capital sobre a execução do gasto público tem que ser enfrentada e desmontada, sob pena de assistirmos à ampliação da pobreza, da desigualdade, a destruição da cidadania, do trabalho e do desenvolvimento do nosso país, em estagnação industrial há uma década, enquanto cresce a concentração da riqueza entre nós. 29/11/2019
Publicado em Diario de PE
Obs: O autor é professor, Mestre em Educação pela UFPE e Doutorando em Educação.
Foi Deputado Federal da Comissão de Seguridade Social e Família, autor da Emenda que destinou 50% do fundo dos royalties do pré-sal para a educação e saúde em 2013.
Criador e 1º. Coordenador da Frente Parlamentar de Combate à Corrupção (2004)
Na Câmara Federal foi autor da PEC 162, propondo o Plano Nacional de Desenvolvimento Urbano.