Os tempos hodiernos trouxeram à tona uma espécie diferente do ser humano. Refiro-me ao homem-tartaruga. Ponho os pratos na mesa. O homem-tartaruga é aquele que anda com uma mochila nas costas e com ela viaja. Justamente aí o rabo do porco ganha o nó devido, por se transformar a mochila em instrumento contundente, a distribuir violência a três por dois. É só observar a sua entrada, movimentação e saída, do ônibus e da aeronave, pela distribuição de verdadeiros socos em quem, por azar, está atrás ou de lado. Sim, porque mochila não tem olho, agindo o homem-tartaruga como se estivesse sozinho, não tendo o cuidado de perceber o óbvio, ou seja, que o espaço é curto e, ademais, transbordando de passageiros.

Eu já reclamei das agressões em momentos de antanho. Não surtiu efeito algum. Volto à temática por um fato especial. Na última ida a Brasília, a aeronave já no solo, devidamente estacionada, passageiros autorizados a se levantar, eu e o homem-tartaruga na mesma fila, ambos ocupantes do corredor, nos levantamos de uma só vez. Aconteceu, pior que o ataque  propriamente dito, a tentativa de quebrar meus óculos. Por pouco, os óculos não foram atingidos pela rápida movimentação, na surpreendente volta do homem-tartaruga, a me atingir, no rosto, com a sua terrível mochila. Nem uma mera e educada desculpa foi invocada. E talvez a explicação se calque no fato da mochila não ter sensibilidade alguma.

É certo que já estou acostumado, quando os passageiros estão adentrando na aeronave, eu, que sempre viajo na poltrona do corredor, a colocar a mão à frente do rosto para protegê-lo das reiteradas pancadas. A poltrona do corredor atrai a investida inclemente, principalmente pelo fato do homem-tartaruga ter a mania de se movimentar, de um lado para outro, nunca permanecendo numa linha reta. Então, de repente, alguém atrás lhe toca ou puxa conversa, no que o coloca pronto para os tapas diários.

Um amigo, ouvindo minhas queixas, me ofereceu a solução devida: a extinção da mochila que o homem-tartaruga carrega. A mesma façanha de matar a vaca para acabar com o carrapato. Está faltando apenas quem queira desempenhar o papel da vaca. De carrapato, apareceram muitos – Diário de Pernambuco, 7 de janeiro de 2020.

Obs: Publicado no Diario de Pernambuco
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras      

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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