Relato dum participante da PAMEN que, depois, atuou como educador na PAMEN, e, atualmente, é representante Regional na PAMEN Nacional.

“Fui criado pela minha avó. Segundo minha mãe conta, depois que eu nasci ela me deu pra minha avó criar. A minha avó já criava vários netos, eu fui mais um. Fui educado dentro das condições que ela tinha, com regras para brincar, hora de estudar. Sempre fomos pautados nessa educação de cada coisa ter seu momento. Durante o período que eu tive na infância brinquei muito, aproveitei bastante, minha infância, foi boa.

Não fui garoto de rua, porque tive uma família que me apoiou. Sempre brincava na rua com os colegas, mas  não cheguei a ficar.

 A partir de 1998 passei a ser aluno da Pastoral do Menor. Tem todo um processo  para você conseguir uma vaga na PAMEN. Os pais precisam ir lá saber as informações. A principio não gostei muito, porque nesse período tinha uma turma de adolescentes da praça, eram os meninos, toda terça-feira eles iam para a Pastoral do Menor, só pela parte da manhã.

Você mal podia olhar pra eles, se olhasse assim com olho estanho, de repente eles deixavam de falar com você. Estavam por lá toda terça-feira. Dormiam na praça, usavam drogas, chegavam na Pastoral para tomar o café da manhã. Na época, aquilo me deixou meio que preocupado, conviver com pessoas que estavam amanhecidos, sentindo odor de álcool, mas como era Pastoral do Menor, tinha que conviver com eles.

Depois eu fui entender que não era aquilo que eu imaginava, porque as pessoas falavam que a Pastoral do Menor é uma instituição que recebe pivetes drogados, os malandrinhos, pilantras, esses eram os termos que as pessoas davam para eles. Se você vai pra Pastoral você vai se misturar com aquele pessoal de lá, vai virar bandido, vai virar alguma coisa parecida.

E a Pastoral é totalmente diferente daquilo que eu imaginava. Então eu entrei na Pastoral com esse propósito de apenas aprender um curso, e acabei gostando da Pastoral do Menor.

Já em 96, mais ou menos, meu primo participava na Pastoral, porque lá tem uma atividade com madeira, de queimar a madeira, trabalhos artísticos na madeira, que é pirogravura. Nosso avô, na época, comprou uma máquina, que ele levou pra casa e começou a fazer os trabalhos na madeira. Isso me despertou atenção, curiosidade, e ele falou que na pastoral tinha um curso voltado exclusivamente para esse trabalho de arte em madeira. Eu disse tá, então eu vou participar. Foi em 1998 que eu entrei na Pastoral do Menor, comecei com trabalhos bem básicos.

 Na Pastoral, logo que a gente chega, no princípio, a gente tem receio de conviver com os meninos de rua da Praça da Matriz. Ver os meninos chegando na Pastoral,  chegavam e deitavam ali na beira da quadra ou, quando não, a Bernadete ia levar café pra eles, ou usavam o refeitório. A principio era meio que duvidoso, na época eu não queira me aproximar muito deles, porque eu achava que por estarem amanhecido, com odor de cigarro, bebida, eu achava que não era muito bom para mim. Mas aí, a questão é que quando você vai se aproximando deles aos poucos, você vai entendendo que eles precisam de você. Se eles procuram a Pastoral do Menor pra tomar café, pra descansar, pra dormir um pouco por estarem amanhecidos, é porque eles também tinham necessidade de ter pessoas próximas deles.

 É terrível quando você procura um local pra ter confiança, ter uma palavra e de repente as pessoas te rejeitam, aí a coisa muda totalmente. Mas quando eu comecei a entender as historias deles, comecei a me sentar pra conversar, jogar bola, me misturar com os meninos, com a gente toda, aí passei a entender que não era aquela preocupação que eu devia ter.

Quando você chega pra conversar começa a entender as histórias deles, eles contavam as suas histórias, o que eles faziam a noite, quem eles assaltavam, em quem eles batiam. Eles contavam as suas histórias e eu ficava assim meio de boca aberta, preocupado, mas passei a entender e me aproximar deles. Isso dava confiança pra eles, passei a entender e conhecer as suas história, perdi o medo, quando realmente eu fui entender que eles precisam de apoio, precisam de uma conversa, que se você caminha junto com eles e tem um bom diálogo, não tem porque ter medo deles.

Cheguei a fazer bons amigos. Um deles, talvez o último, ele viajou pra Manaus já há bom tempo. Daquele período pra cá fiz muitas amizades, infelizmente com pessoas que já se foram, não estão mais no nosso meio. Ainda há gente desse passado pra cá, a gente lembra de pessoas que viveram na rua e na Pastoral do Menor, e hoje o cara é pai de família, tem uma família, tem uma casa. De alguma maneira foram pessoas que buscaram um apoio da Pastoral do Menor e tiveram essa oportunidade de crescer, sair de uma vida das drogas, de tudo, e você ver hoje os fruto desse trabalho: família, filhos crescendo todos juntos, então isso é bom.

 Hoje eu acho que já não tem mais garotos na praça. De 1997 pra 98 foram as últimas turmas dos meninos da praça. Aquela turma que eu mencionei das terças-feiras, foram as ultimas turmas de praça que frequentaram a Pastoral. De uns tempos pra cá a Pastoral do Menor não tem mais essa turma de meninos que fica na rua, tem aquele menino, aquele adolescente que às vezes não quer fazer, não quer ouvir pai, não quer ouvir mãe, mas tem uma família.            Hoje ainda tem essas famílias, mas bem diferente de antes. Quem entra na Pastoral do Menor hoje encontra outra estrutura, bem melhor do que estava no passado.

 Eu vejo que hoje a Pastoral do Menor trabalha a questão do cuidado com a educação para a vida, mas a maior parte do nosso publico hoje tem uma casa para morar, tem uma família. Possuem os seus problemas que dentro do possível a gente vai tentar ajudar.

 Eu entrei para a Pastoral em 1998. Até o ano de 2000, mais ou menos, eu fui participante.  De 2000 a 2005, por aí, eu fiquei como voluntário, porque na Pastoral qualquer menino ou menino só pode ficar até aos 18 anos. Isso eu fui entender depois porque eu comecei a gostar tanto da Pastoral que eu não me via mais fora da Pastoral.

Era pra eu fazer apenas um curso, aí você acaba conhecendo varias pessoas, várias professores, irmão Ronaldo, irmão Leonardo, que me davam oportunidade de conversar, ter bom relacionamento, o que não tinha em casa.

 Quando eu já estava pra sair eu vi que já podia ser voluntário e continuar lá dento. Quando saiu um professor, que na época era o meu professor que administrava o curso de pirografia na madeira, o irmão Ronaldo me chamou e disse que iria fazer um teste comigo, pra saber se eu podia assumir a turma que era a do professor que saiu. Em fevereiro de 2005 assinaram a minha carteira e eu passei a ser professor de artes da Pastoral do Menor.

 Eu lembrava que há 30 anos quando Irmão Ronaldo começou a pedido de Dom Tiago, a trabalhar os meninos da praça em frente da catedral, depois junto com outros educadores, pudesse entender que de repente esse trabalho poderia não ter dado certo.  Mas tanto deu certo que nesses 30 anos de história, três décadas bem trabalhadas, elas bem dizem que realmente a missão da Pastoral do Menor que era acolher, o que até hoje ela faz isso, por isso deu certo.

 Porque quando você dá atenção para as pessoas que estão em dificuldade, por exemplo, meninos que estavam na praça e queriam apenas uma oportunidade, o trabalho é gratificante. A sociedade, de um modo geral, não via muito o menino que está engraxando sapato, o menino que está  lavando carro e o flanelinha, a sociedade passa e não olha pra isso. O dia-a-dia da sociedade é corrido, trabalho, todo mundo cada um na sua, mas tem aqueles que precisam de mais atenção.

Como a missão da Pastoral era essa de acolher, até hoje ela faz isso. Então a gente entende que a missão continua, e o Irmão Ronaldo quando pensou querer ser um religioso, jamais imaginava que fosse vir para Santarém, que fosse estar aqui, que fosse fazer um trabalho como esse, uma missão difícil, mas o sucesso dessa missão só acontece quando as pessoas estão dispostas a vestir a camisa, arregaçar a manga da camisa e trabalhar. Hoje eu vejo isso, que o trabalho só dá certo quando várias pessoas dão as mãos e vão trabalhar em prol de alguém.

Em Santarém a Pastoral deu certo porque tiveram pessoas que abraçaram a causa, que deram as mãos, que salvaram vidas, que ajudaram a salvar vidas, ajudaram a resgatar vidas, tanto eu como o Irmão Ronaldo e outra pessoa que tiveram oportunidade, e podem dizer, ou futuramente vão dizer para os nossos filhos, olha eu tive oportunidade de crescer dentro da Pastoral do Menor, eu tive oportunidade de abraçar um trabalho, eu tive oportunidade de olhar pra alguém com um olhar diferente, alguém que está num canto escondido, que está lá num canto e só quer atenção, só quer alguém que escute, então é isso que a Pastoral faz, abre espaço, dá oportunidade e ajuda na transformação, porque se a gente realmente só olhar as pessoas com seus problemas e não dar oportunidade, então a pessoa não muda.

Eu tive um aluno que era deficiente, ele não tinha um braço. Perdeu quando era criança, num acidente o braço teve que ser amputado. Aquele adolescente foi inspiração pra mim, porque ele era destro e só com aquela mão fazia trabalhos que jamais poderia imaginar que fosse capaz. Gente, eu tenho duas mão, eu tenho duas pernas, aparentemente falamos que somos normais porque temos todos os membros do corpo, mas temos problemas.

Eu via no menino, nesse meu aluno Jarlisson que era o seu nome, uma superação, eu ficava olhando a maneira como ele pegava a tela, como fazia pra colocar tinta, encostava a tela no peito pra puxar a tinta, tirava e colocava. Ele foi um exemplo. Claro que nós, seres humanos, temos nossos problemas, nossos defeitos, mas temos a chance de fazer algo bom, independente se temos duas mãos, se temos duas perna. Eu vi no Jarlisson essa superação, ele foi um adolescente que quis crescer. Na Pastoral ele foi comigo varias vezes, queria trabalhar na casa dele, queria montar uma oficina na sua casa, um atelier, e conseguiu montar.

 Com o Irmão Ronaldo fomos na casa do Jarlisson. Depois ele me pediu que fizesse uma lista do que precisava, eu vou ajudar o teu aluno. Só que na época ele conseguiu primeiro um trabalho como menor aprendiz dentro da Pastoral, no começo de 2010, 2011 mais ou menos. Seu atelier foi montado com a ajuda da Pastoral do Menor, depois foi chamado por uma empresa pra trabalhar.

 Hoje eu não tenho informação se ele ainda tem o atelier, mas a dois anos atrás ele me ligou pra saber como eu estava e eu perguntei do trabalho dele, ele disse que estava bem. Esse é o exemplo do Jarlisson, que uma deficiência física não impedia dele fazer as coisas que queria fazer. Ele cresceu e foi além, assim como outras pessoas. Tudo iniciou na pastoral do menor.

 Irmão Ronaldo foi o fundador da Pastoral do Menor, junto com o Dom Tiago. Há pouco tempo ele saiu, foi transferido. Olha, Mudanças sempre acontecem. A gente quando está acostumado dentro de uma linha de trabalho, com o irmão Ronaldo essa linha durou 30 anos, mas eu falo especificamente do meu período de  98, 97 pra cá, a gente vê as mudanças acontecerem.

Dentro desse contexto, quando a pessoa sai, o irmão Ronaldo saiu, a primeira mudança é essa, você não vê mais a imagem dele lá dentro da Pastoral. É como se ele estivesse lá dentro e, de repente, estivesse faltando alguma coisa, a pessoa dele. Agora é claro, em todo lugar, toda empresa, repartição, com a saída de alguém, com a mudança do quadro de funcionários, você vê a diferença, você vê mudança. Mas a mudança principal, mesmo, hoje na Pastoral do Menor, é que a gente tem que pensar o futuro, porque se o irmão Ronaldo saiu, pode-se pensar que de repente a Pastoral do Menor vai fechar. Era o pensamento que eu tinha muito antes. E perguntava: Gente, se o Irmão Ronaldo for embora a Pastoral do Menor fecha? Aquilo que eu falei antes, a missão deve continuar, o irmão Ronaldo saiu, mas a equipe que está agora na coordenação tem a responsabilidade em dobro para fazer com que o trabalho não pare.

 Hoje atualmente eu sou coordenador regional. A Pastoral do Menor está presente em torno de 300 cidades, em todo o Brasil. Temos a Pastoral dividida em regionais, sub-regionais e dentro da Diocese, porque a Pastoral do Menor é uma instituição da igreja católica.

Então nós temos uma coordenação nacional, as regionais que são por Estado e os Diocesanos. Eu fui eleito ano passado na assembleia como coordenador regional. A minha função na Pastoral do Menor como coordenador regional é estar monitorando, acompanhando o processo das implantações de novas Pastoral do Menor, qual a necessidade. Aqui no Pará temos 8 cidades onde tem a Pastoral do Menor, no Amapá, 3 cidades.

A função de coordenador regional é estar monitorando, analisando, acompanhando os coordenadores diocesanos para que o trabalho da Pastoral do Menor possa dar certo e, de repente, se precisar, viabilizar uma associação com um grupo que queira implantar um trabalho na Pastoral do Menor. Além disso coordeno a campanha “Natal sem Fome” aqui em Santarém.

 A campanha “Natal sem Fome” há 22 anos vem sendo realizada. Começou em 1996 através de uma ação que aconteceu em são Paulo, com o Betinho que fazia essa campanha. Um professor nosso na época teve a ideia de trazer essa campanha para Santarém. Começou meio fraca, porque não tinha estrutura pra fazer uma campanha ideal. Ela foi tomando proporção ao longo dos anos e durante esse período pôde ajudar muitas famílias, bastantes famílias em Santarém.

Teve um ano que não houve a campanha, não lembro se foi em 2014 ou 2013. A Pastoral tinha educadores mas não tinha pessoas dispostas para trabalhar como voluntários. Nesse ano nós percebemos que como não ia ter a campanha, as pessoas começaram a procurar a Pastoral do Menor e recebemos  criticas, que se tinham funcionários que trabalham na Pastoral, porque eles não fizeram a campanha?

 Se a sociedade está sentindo a falta é sinal de que ela quer a campanha. No ano seguinte nós continuamos com a campanha e vimos que o resultado deu certo.

 Em Belo Horizonte fica a sede nacional da Pastoral do Menor. Temos por ano dois encontros em Belo Horizonte. Além desses encontros temos as viagens que eu faço pra acompanhar as Pastorais dentro do Pará. Nossa sede regional está em Belém, na CNBB em Belém. Temos uma sala na CNBB que é da Pastoral do Menor, onde eu tenho que estar pelo menos no começo e no final do ano para acompanhar os trabalhos.

 Eu fiz turismo no IESPES e comecei Letras na UFOPA. Letras e inglês, porque eu falo inglês, eu fiz o curso. A Pastoral abriu essa oportunidade pra mim no curso de inglês, que eu fiz aqui em Santarém. Se Deus quiser ano que vem eu estou terminando meu curso de jornalismo na UNAMA, estou finalizando o 6º semestre. Meu plano básico agora é finalizar meu curso de jornalismo, depois trabalhar na área. Estou com 34 anos, que quero terminar logo meu curso e começar meu estágio, e se tiver oportunidade já trabalhar na minha área.

Quando a gente fala de Pastoral do Menor não tem como não mencionar esses 30 anos de atividade da Pastoral, que está completando este ano de 2018.  Pra gente foi um ano de comemoração. Eu não sei se vou estar aqui no futuro, mas queremos que o trabalho continue na Pastoral do Menor. Pode chegar num ponto que um dia ela seja obrigada a fechar as portas, porque nós esperamos, eu espero, que um dia não precise mais existir Pastoral do Menor, porque as famílias já vão poder nas suas casas mesmo educar seus filhos, colocar numa escola boa, dentro de um padrão de educação de qualidade.

 A Pastoral hoje faz o papel que era para o governo fazer, então a gente sente muitas vezes dificuldades financeiras, contratação de pessoal, mas a gente espera que um dia realmente não precise existir mais Pastoral do Menor, mas enquanto tiver a Pastoral do Menor, com certeza vamos poder contar com a sociedade pra poder manter o espaço.

 Pode ter voluntários, mas nem todo mundo quer ser voluntário, ele precisa trabalhar, precisa ganhar seu dinheiro, então a gente espera que a sociedade, independente de irmão Ronaldo estando lá ou não, a sociedade possa abraçar essa causa porque ela é nossa.
 Antonio Junio Pereira

Obs: Texto retirado do Livro do autor Pastoral do Menor, com a sua autorização.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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