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“Olha lá, no alto do horto! Ele tá vivo, padre não tá morto.”

Vossa Eminência, Cardeal Orani Tempesta, Reverendos Padres Josafá, Cícero e Waldecir, senhores e senhoras que participam, por esta plataforma digital, deste simpósio sobre o Pe. Cícero Romão Baptista: “Um Padre e sua fé: Cícero, história e legado”.

Na conhecida música cantada pelos romeiros, que enchem as ruas do Juazeiro do Norte, se diz que basta olhar para o alto do Horto para sentir que o padre Cícero “está vivo” e ainda reforça: “padre não tá morto”. Padre Cícero permanece vivo na memória, na devoção, no carinho dos romeiros; está vivo também quando se torna tema de importantes encontros e debates acadêmicos, como este que ora iniciamos.

Quero agradecer a todos que o tornaram possível, particularmente à equipe organizadora (Mons. Luis Catelan, Pe. João Paulo) e à PUC do Rio de Janeiro, nas pessoas de vossa eminência, Cardeal Orani Tempesta, e do Reverendo Padre Waldecir Gonzaga.

Na carta destinada à diocese do Crato, por ocasião dos 100 anos de sua criação, datada de 20 de outubro de 2015, o Secretário de Estado de Sua Santidade, o Cardeal Pietro Parolin, ao mesmo tempo em que apresentava os desafios e luzes do ministério do padre Cícero, recordava que “é sempre possível, com a distância do tempo e o evoluir das diversas circunstâncias, reavaliar e apreciar as várias dimensões que marcaram a ação do Padre Cícero como sacerdote […]”.

Essas duas palavras-chaves podem iluminar e servir de balizas para nossos trabalhos nestes dois dias: apreciar e reavaliar. Por apreciação, não se entende somente montar um elenco dos eventos históricos em ordem cronológica ou recordar episódios já repetidamente apresentados na vasta bibliografia sobre padre Cícero, pois isso já foi feito até exaustivamente. Apreciação é muito mais. Seguindo o sulco da legítima tradição cristã, a apreciação pressupõe o exercício da contemplação e, talvez, aqui encontramos o maior de todos os desafios: os eventos do Juazeiro envolvendo padre Cícero podem ter sido muito estudados, analisados empiricamente e até dissecados por especialistas e estudiosos que deram, sem dúvida, grande contribuição, mas precisam, além de estudados, ser contemplados. Neste sentido, o refrão da música é verdadeiro: “olha lá, no alto do Horto”. É o olhar contemplativo de quem não só vê os fatos, mas eleva-o para ler os eventos com um jeito especial.

Da contemplação, nasce a reavaliação. O exercício de revisitar os acontecimentos que marcaram a região do Cariri, no sertão do Ceará, faz brotar sempre novos saberes e leituras.  A pesquisa histórica possui uma dinâmica sempre renovadora a partir do momento em que traz novos dados, leituras e perspectivas que ajudam a compreender os fatos. Se os episódios são sempre os mesmos, nossa leitura é dinâmica e sempre pode reavaliá-los e enriquecê-los, fornecendo melhores interpretações.

Tudo isso recorda aquela passagem do Evangelho na qual Filipe fala ter conhecido o Messias quando se encontra com Natanael. Imediatamente, brotam da boca deste último palavras que revelam todo o seu preconceito: “De Nazaré pode sair algo de bom?”.

Nas expectativas messiânicas, seria impossível que o caminho de salvação, escolhido por Deus, passasse pelas estradas empoeiradas da Galileia, uma das regiões mais pobres do Império Romano. A resposta do apóstolo Filipe é uma síntese perfeita da postura que vence todo fechamento intelectual: “Vem e vê!”.

A figura de padre Cícero, sobre a qual nos debruçamos neste evento, leva-nos à outra Galileia, àquela brasileira, o Nordeste brasileiro, grandioso em suas potencialidades, mas marcado pela realidade de desigualdade social e pobreza. Foi nesse solo da periferia do então Império, não aquele romano, mas do Brasil, que viveu padre Cícero.

Diante dos fatos do Juazeiro, alguns podem ter questionado como Natanael: “Pode de uma região pobre, sofrida, marcada por tantos problemas, sair algo de bom?”.

A resposta de Felipe permanece atual: “Vem e vê!”. É seguindo esse conselho que viemos de todas as partes do Brasil, numerosos e diversificados, graças à facilidade da internet. E queremos ver, com a ajuda de tantos assessores experientes e competentes, a pessoa e a missão do padre Cícero Romão Batista. Sua figura é extremamente complexa e polêmica. Seus estudiosos o defendem e acusam-no de modo apaixonado. Durante anos, sua pessoa tem sido estudada e sobre ela se tem produzido verdadeiras bibliotecas de estudos, livros, artigos, análises e teses universitárias. Não seria exagero dizer que padre Cícero é um dos sacerdotes mais estudados da história do Brasil.

Talvez, diante disso, algumas perguntas possam nos questionar: Teria sentido fazer mais um evento acadêmico, ligado ao estudo da pessoa do padre Cícero? Ainda é possível seguir novas estradas para conhecer a sua personalidade? Ou será somente mais um evento para repetir verdades já ditas?

Penso que três respostas podem ser dadas a essas questões. Em primeiro lugar, a pessoa do padre Cícero é poliédrica e, por isso, não se reduz a um conceito e a uma definição. Em torno de sua personalidade, abre-se um verdadeiro leque de perspectivas: eclesial, política, social, econômica e tantas outras. A compreensão de sua personalidade abandona dicotomias do sacro e do profano, eclesial e social, mundo e Igreja, e nos revela como esses universos se interpenetram numa só pessoa e se misturam fazendo com que possam ser feitas diversas leituras e observações. Por isso, cada estudo é importante porque traz à luz aspectos já conhecidos, porém com uma perspectiva nova.

Em segundo lugar, mais do que uma pessoa, padre Cícero é um verdadeiro fenômeno que envolve um movimento ao mesmo tempo religioso, político e social no Nordeste e que tem reflexos em todo território nacional. Ele torna-se assim (1) uma chave interpretativa privilegiada da Igreja do período, (2) da sociedade brasileira recém-saída da monarquia e que entra no período republicano, (3) pedaço importante da colcha de retalhos de tantos movimentos sociorreligiosos do final do século XIX e início do século XX. Desse conhecimento, brota nossa identidade própria. Então, quando a Igreja se debruça sobre o padre Cícero, especialmente em nossa diocese, está tentando também entender a sua própria identidade eclesial.

E, enfim, nosso olhar se dirige ao futuro, quando a Igreja constantemente se pergunta como anunciar o Evangelho ao mundo atual e às novas gerações. Conhecer as dinâmicas e os conceitos atrelados à figura do padrinho podem oferecer pistas válidas para a ação pastoral em nosso tempo. Ele foi um grande ouvinte dos dramas humanos que, mesmo há anos de distância, continuam atormentando as pessoas.

Para todos, ele aplicava os remédios da reconciliação e da consolação. Não se trata de repetir os mesmos remédios e os mesmos métodos a situações totalmente diferentes, mas beber desta fonte de inspirações e indicações nos caminhos que a Igreja pode trilhar no terceiro milênio.

No início deste evento, que nos levará a revisitar alguns episódios envolvendo o “padim”, poderemos, para além das polêmicas em torno de sua pessoa, perceber como Deus foi tecendo um caminho de cuidado com o seu povo: “E quanto a tí, Cícero, toma conta desta gente”. Foi essa a máxima e a fonte inspiradora vivida pelo grande Patriarca do Nordeste.

Como não associar a cena do sonho de Cícero àquela outra cena, depois do conclave que elegeu Francisco, quando o cardeal Claudio Humes recordou ao recém-eleito: “Não se esqueça dos pobres”!

Recuperar essa longa história de fé e devoção do povo simples é realizar a escuta do pequeno e do pobre, pois o fenômeno do Juazeiro não seria tão atual se não fossem os pobres que, em primeiro lugar, foram cuidados por Cícero; e, depois, cuidaram dele, de sua memória e mantiveram viva a devoção ao seu padrinho. A Igreja e também o mundo acadêmico tentam entender e aprender aquilo que os pobres já sabem.

Quando o Papa Francisco acentua a estrada da misericórdia, quando as diretrizes pastorais da Igreja do Brasil indicam a vivência da fé na proximidade com o outro, podemos perceber a profunda sintonia de Cícero com os anseios e com os desafios de nossa Igreja de hoje, que podem muito bem ser sintetizados na expressão: “cuidado com a pessoa”.

“Ele tá vivo, o padre não tá morto!”

Bom Simpósio para todos nós,

Dom Gilberto Pastana
Bispo de Crato

Obs: O bispo de Crato, Dom Gilberto Pastana, discursou na manhã desta terça-feira, dia 6 de outubro, na abertura dos debates do Simpósio “Um padre e sua fé: Cícero, história e legado”, organizado pelo departamento de Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), em parceria com a Arquidiocese do Rio de Janeiro e a Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e a Diocese de Crato.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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