O Dia Internacional dos Idosos é comemorado em 1º de outubro. Criado pelo ONU – Organização das Nações Unidas – em 14 de dezembro de 1991, a data reforça os termos da Resolução 46, que objetiva sensibilizar a sociedade mundial para as questões do envelhecimento, destacando a necessidade de proteção e de cuidados para com essa população

No Brasil a data remete ainda ao dia da aprovação do Estatuto do Idoso, em 2003, cujo objetivo é, regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60.

Não podemos negar que o estatuto trouxe vários benefícios para os maiores de 60 anos como a meia entrada em cinema e teatro, vagas especiais de estacionamento, atendimento, caixas de pagamento e eletrônicos preferenciais, mas, também não podemos negar que esses benefícios, em sua maioria, comtemplam mais  da classe média para cima do que para a classe mais pobre, que não tem carro, por exemplo ou que mal usa o caixa eletrônico.

Mas há ainda uma outra coisa, muito importante, que o estatuto não conseguiu resolver e que vem se tornando um problema cada vez mais grave: o etarismo.

Etarismo é o preconceito contra os idosos, um mal ainda muito latente nos dias de hoje e que é a causa de muita tristeza e sofrimento.

Proveniente de uma sociedade onde as pessoas se negam a envelhecer e usam de todos os meios para permanecerem jovens, o preconceito contra os idosos os tornam descartáveis, expondo um problema que transforma essa obsessão pela eterna juventude em algo patético e lamentável.

Minha mãe contava uma história que, em uma família, um filho recebia o pai, já idoso, em sua casa, muito esporadicamente e, quando isso acontecia, ele separava uma rede velha, uns chinelos gastos, e acomodava o pai em um canto qualquer da casa, sem a preocupação de lhe proporcionar um mínimo de conforto. O neto, ainda criança, observava como o pai agia e nada dizia. Quando o velho senhor faleceu e o homem foi contar ao filho, ele saiu correndo, foi até o canto onde o pai jogava a rede e os chinelos que o avô usava, os pegou e voltou para junto do pai. Daí o pai perguntou por que ele foi pegar aquilo, era para matar a saudade do avô? E o menino respondeu que não. Ia guardar para quando o pai o fosse visitar.

Essa história expõe, de maneira talvez alegórica, a realidade das relações intergeracionais no Brasil e em boa parte do mundo, onde a cultura ocidental se desenvolve em cima de um conceito de o que importa é o aqui e o agora, o passado não importa mais e o futuro ainda vai chegar.

A juventude está tendo cada vez mais pressa e, portanto, falta a necessária paciência para acompanhar a calma, a tranquilidade, que acompanham a experiência a sabedoria.

“Ando devagar porque já tive pressa e levo esse sorriso, porque já chorei demais”, diz o começo da canção Tocando em Frente, de Almir Sater.

E a canção segue dizendo: “Hoje me sinto mais forte, mais feliz, quem sabe, Só levo a certeza De que muito pouco sei, ou nada sei”.

Chegar a essa maturidade, a esse nível de humildade para concluir que pouco ou nada se sabe, é próprio dos sábios. Arrogância, empáfia, vaidade, não combinam com sabedoria.

Mas, para quem vive em uma cultura capitalista, a competitividade e ânsia em ser o melhor sempre, não dão espaço para os mais experientes, mais velhos em idade, porém, muitas vezes, mais jovem em espírito do que muitos jovens em idade.

Dom Helder dizia que “o segredo da perene juventude é ter uma causa a qual dedicar a vida”. E, precisamos entender que, o que ele dizia não era apenas ter um objetivo do tipo “aos 40 anos quero estar rico” e correr atrás disso e trabalhar loucamente para acumular bens.

Na verdade, para Dom Helder, a causa para dedicar a vida era do tipo “distribuir os bens entre os famintos”, promover a justiça em sua plenitude, olhar o outro não como inimigo, mas como um companheiro e, para os que são religiosos, como um irmão.

Aos 65 anos de idade, ainda trabalhando, venho sofrendo com o etarismo ao meu redor, de maneira sofrida, dura e, confesso que, muitas vezes, desanimadora. Ao contrário das culturas como a indígena, onde os mais velhos são respeitados e suas opiniões valorizadas, a cultura ocidental, capitalista, despreza a opinião dos mais velhos, considerada ultrapassada.

Quando eu era adolescente e produzia, com alguns outros jovens e adolescentes, um jornal artesanal, chamado O Balaio, uma vez escrevei um artigo onde já falava sobre esse tema, estando eu, à época, do outro lado dessa história. E lembro de ter comparado essa convivência, a dois cavalos cavalgando em um campo.  Claro que o mais velho vai cavalgar mais devagar que o mais novo. Qual seria a solução mais fácil para que os dois cavalgassem juntos? O cavalo mais novo diminuir o passo e acompanhar o mais velho e assim, um desfrutaria da companhia do outro com tranquilidade e faria bem aos dois.

Generalizando o que acontece hoje, o que você acha que aconteceria? Provavelmente o cavalo mais jovem não teria paciência para diminuir o passo e dispararia na frente do mais velho, ignorando tudo que poderia aprender, se andasse um pouco mais devagar.

“É preciso amor pra poder pulsar. É preciso paz pra poder sorrir. É preciso a chuva para florir”, continua a canção de Almir Sater.

É preciso que o diálogo intergeracional não seja apenas uma bandeira levantada, mas uma realidade vivida.

Com a expectativa de vida prolongada (pelo menos até antes da Covid 19) a tendência é que a convivência entre as gerações vai ser cada vez mais longa. Ou a convivência passa a ser trabalhada e jovens e não tão jovens atuam em conjunto, ou o futuro da humanidade vai continuar a ser sombrio, sem perspectiva de avanços fraternos de convivência.

Quem sabe se o jovem de hoje pensasse um pouco mais no futuro e, como em testes convencionais de emprego, pensasse sua vida não em cinco anos, mas em trinta anos e se visse adulto, mais velho, talvez já idoso, e imaginasse como seria a sua convivência com um jovem como ele, talvez a maneira de viver o presente fosse um pouco diferente.

Enquanto isso não acontece, nós, os idosos, caminhamos mais devagar porque sabemos que não precisa correr para chegar, porque não precisa chegar em primeiro lugar. O importante é chegar.

Finalizo com mais uma frase de Dom Helder, que ilustra bem o que é importante: “Que importa eu ao chegar, eu nem pareça pássaro. Que importa que ao chegar eu venha me arrebentando, caindo aos pedaços, sem aprumo e sem beleza. Fundamental é cumprir a missão e cumpri-la até o fim.

Imagem da  campanha publicitária da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia.

Obs: A autora é jornalista, blogueira e Assessora de Comunicação do IDHeC – Instituto Dom Helder Camara.
Site – jornalistasweb.com.br
blogs – misturadeletras.blogspot.com.br 

jornaloporta-voz.blogspot.com.br
encontrodapartilha.blogspot.com

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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