Ninguém é insubstituível, mas toda regra tem sua exceção. Aliás, para alguns, exceção existe para confirmar a regra. Pois bem, Eduardo Campos foi uma delas. Por desígnios indecifráveis para nós, simples mortais, ele nasceu portador de uma rara inteligência e cresceu num contexto que misturava injustiça, perseguição, dor, compromisso, luta, idealismo, superação, amor, acolhimento, alegria, cultura, filosofia, humanismo, espiritualidade, prosa, poesia e política, em tal escala (e com personagens e “mestres” tão especiais), que lhe permitiu amalgamar uma personalidade ímpar e de enorme potencial. Sua curva de aprendizado (por definição, com erros e acertos), tanto acadêmica quanto a de gestor público e política, iniciou-se tão precoce que lhe possibilitou um amadurecimento gigantesco e incomum para um jovem homem e amoroso esposo e pai de família. Conforme os anos se passavam, começou a consolidar (inicialmente inconsciente, mas depois, estimulado por muitos, com plena lucidez) o projeto de encarnar e se tornar o estadista e líder que tanto o Brasil precisava para superar uma etapa histórica. Quando a consciência do seu destino de grande homem público passou a dominar sua personalidade, “construiu o caminho” de maneira obstinada, meticulosa e coerente. Nos últimos anos de sua vida pública, dedicou-se a melhorar a eficiência da máquina pública estatal, já que tinha a clareza que, na República, o Estado (e não só a democracia) é do Povo, pelo o Povo e para o Povo, sendo um fundamental instrumento a serviço do bem comum. Para tanto utilizou, com maestria (como se estivesse criando uma obra de arte), o par dialético “Amor e Rigor” na relação com todos que o acompanhavam na sua senda, principalmente os auxiliares diretos que lidavam com a coisa pública, sempre tentando conseguir a melhor contribuição de cada um. Já com os mais simples e menos favorecidos sua ternura era profunda, sincera e admirável e sua faceta mais dura se esvanecia, como por mágica. Como “cimento” de sua missão sempre teve a coragem como parceira, enfrentado e superando as mais difíceis situações e os mais complexos desafios. Inovador e criativo nunca teve medo do novo e sempre permitiu o contraditório, pois sabia de sua importância e riqueza. Mas após a oitiva, o debate e a maturação (sobre qualquer temática) era de um brilhantismo único e especial ao defender suas posições, o que muitas vezes “fragilizava” seus adversários, mesmo os mais ilustres e preparados. Por outro lado, mesmo depois dos enfrentamentos mais ácidos, sabia equilibrar e harmonizar os opostos como ninguém, construindo (dinamicamente) pontes e unidades que só um “mago alquímico” teria condições de fazê-lo, pois tinha a clareza que os desafios brasileiros não poderiam ser enfrentados a não ser com uma grande unidade nacional, que teria a população mobilizada e motivada como fiadora. Enfim, seus incontáveis talentos, valores e longa experiência (acumulada, mas também “herdada”) tinham-no tornado uma figura pública essencial para o presente e o futuro do Brasil e da América Latina. Espero estar equivocado e embotado pela dor, mas acho que seu “encantamento” trágico e precoce vai atrasar em décadas a construção de uma nação mais justa, fraterna, livre e feliz. Apesar deste diagnóstico, resta a todos nós continuar acreditando nos seus mais nobres sonhos e empunhar suas melhores bandeiras, ajudando a construir, de maneira compromissada e competente, um mundo diferente e melhor, torcendo também para que o Universo, que muitos entendem como Justo e Perfeito, como uma forma de compensação compulsória, nos presenteie com muitas e muitas outras grandes almas, como era a de Eduardo.

Publicado no Jornal do Commercio, página14, em 20/09/2014

Obs: O autor, Prof. Dr. Aurélio Molina, Ph.D pela University of Leeds (Inglaterra), professor da UPE, membro das Academias Pernambucanas de Ciências e de Medicina, da Câmara de Bioética do CREMEPE e Coordenador do Curso de Medicina da FCM/UPE. 

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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