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Neste mês de Setembro, em diversas comunidades cristãs, pomos as Sagradas Escrituras no centro de nossa atenção: retomar a Bíblia como escola para aprender a orar e para aprender como viver. Afinal, como compreender uma Igreja cristã que não seja bíblica? Não há alternativa. Já não podemos confiar-nos aos braços da tradição, filhos e filhas de pais e mães cristãs já não serão necessariamente cristãos. As pessoas querem saber por que fazem as coisas, ou por que seguem certas correntes de pensamento ou de fé. Desejam optar por valores que julgam elas mesmas apreciáveis. Exigem saber claramente onde estão. E, se se trata de Igreja, pretendem saber, com clareza possível, qual a tarefa que Deus nos confia neste mundo. E a Bíblia é a guia para nos indicar o caminho, pois está cheia de inspiração para nos inspirar fidelidade. Se a tradição já não nos garante e se não queremos enganar as pessoas com emocionalismo barato ou anacrônico ritualismo, só nos resta aprofundar o sentimento de adesão e de pertença ao caminho de Jesus, mediante o conhecimento da Palavra.

Sabemos que a Bíblia é palavra humana, situada em tempo e espaço bem determinados, mas é encarnada nessa palavra que a Revelação de Deus nos alcança. Eis a que ponto chega Sua condescendência! Exige-se de nós meditação e estudo, trabalho árduo de interpretação para discernir, em meio às palavras humanas, tão limitadas e marcadas culturalmente, a pedra preciosa da perene mensagem divina. E será esta a tarefa de cada geração de crentes, inclinar-se sobre o texto bíblicoinvocar a luz do Espírito Santo, ter olhos bem abertos para a realidade da vida e, em comunidade, buscar o que Deus nos manifesta. Sim, em comunidade, pois os textos foram inspirados por um Deus que é essencialmente comunidade. A Trindade é isto, Deus, a causa última das coisas, que não é solidão, mas comunhão. É por isso que o dinamismo comunitário, coletivo, se acha na própria raiz do universo. Tudo é conectado em imensa teia. Solidão, individualismo, apartação são perversões do impulso criador originário. A linguagem da fé lhe chama “pecado”, a saber, negação prática, vivida, da estrutura do real. Daí, por que “pecado” se ache nas vizinhanças de “crime” ou agressão. Agressão à realidade, à vida. Como seria coerente interpretar a mensagem divina de maneira individualista, na estreiteza de um espiritualismo desencarnado, se Deus são relações que, em diferenciação, constituem Seu ser pessoal: a Fonte absoluta (o Pai), a Sabedoria que tudo contém (o Filho) e o Espírito que os entrelaça e personifica a relação de Amor. A fé cristã não consegue representar Deus como pura unicidade, mas como “diversidade reconciliada”,originária convergência da diferença na unidade. E o mundo de Deus não é a imensidão de umtodo entrelaçado? Os pensadores antigos, para representar esse mistério insondável, chamaram a atenção para a tríade que forma nossa própria dimensão espiritual: a mente ou inteligência (a fonte), o pensamento ou conceito (“conceptum”, concebido, gerado, “filho”) e a vontade enquanto dinamismo de amor (o espírito). Só em comunidade nos exercitamos comoimagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1, 26; 2, 18-25; Ef 1, 22-23; Cl 1, 18-20). É por isso que a leitura comunitária é o caminho mais adequado para aproximar-se da Bíblia.

Nossos pais e mães na fé nos deixaram o testemunho de sua caminhada. Assim nos indicam por onde Deus costuma passar e por onde costumam andar as pessoas que Lhe são fiéis. Retomamos  seu legado para saber por onde caminhar. Deles e delas é que aprendemos como se escuta Deus. Lemos a Bíblia para aprender como escutar e enxergar o Mistério presente em nossa vida, como eles e elas souberam fazer e como, em certos casos, não acertaram o passo (cf. 1Cor 10, 1-13). Trata-se de aprender da Bíblia o jeito de ser de Deus.

A Palavra, porém, é viva, pois Deus é o Deus vivente e nos fala hoje, nas circunstâncias da vida, através de nossas relações e dos acontecimentos. Nas Escrituras, temos testemunho privilegiado do que foi no passado a vida de um povo que caminhou na fé em busca de Deus. Acima de tudo, temos o testemunho de Jesus de Nazaré, para nós a suprema revelação divina e a mais fiel resposta humana de obediência a Deus. É por isso que a Bíblia é nossa “escola”, com ela aprendemos quais são os critérios da escuta e quais os caminhos da obediência. É como se dá com a música: na vida de nossos antepassados na fé, a Palavra foi experiência viva, como música uma vez executada; ficou-nos o texto, como partitura que registra a memória da música (cf. Hb 11); agora, ao retomar a “partitura” e  executar a “música ao vivo” em nossa vida, a Palavra volta a soar com harmonia e estridência e se faz de novo experiência viva (cf. ibd. 12, 1-13). Acontece, justamente, o que nos diz o Apóstolo São Paulo: “Tudo o que foi escrito antes de nós, foi escrito para nossa instrução, para que, em virtude da perseverança e da consolação que as Escrituras nos dão, conservemos a esperança” (Rm 15, 4).

Obs: O Autor é Bispo Emérito da Diocese Anglicana do Recife
Igreja Episcopal Anglicana do Brasil – IEAB….
É Teólogo e Biblista
Assessor do CEBI, de lideranças de Comunidades Eclesiais de Base e de Escolas de Fé e Política

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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