(professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio,
decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio *)
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Era este o título de um livro de Afonso Celso, do ano de 1900.  Era um texto laudatório em relação ao Brasil, que cantava suas belezas, suas glórias e seu brilho. A obra marcou época em nossa terra.  Tornou-se leitura obrigatória nas escolas secundárias brasileiras, e teve várias edições e traduções.  Passou a ser uma verdadeira cartilha de nacionalidade, um distintivo que marcava a condição de brasileiro.

Mais tarde, o livro e seu autor já não foram tão apreciados, sendo mesmo ridicularizados. A visão acrítica e ingênua da positividade do país, sem perceber seus aspectos sombrios, instigou as mentalidades mais críticas.  Criou-se, a partir do título da obra, a palavra “ufanismo”, com o sentido pejorativo que os dicionários Aurélio e Houaiss registram: vanglória desmedida, patriotismo excessivo.

Muitas décadas mais tarde, o humorista e artista Ary Toledo fez um show com o mesmo título: ” Por que me ufano do meu país”. Ali, entre canções e piadas de sua autoria, o artista lançava farpas contra o Brasil da ditadura militar, que cerceava a liberdade de pensar.  E criticava sobretudo a mania que o povo brasileiro tem de imitar os Estados Unidos, assassinando a própria cultura e assumindo na dança, na música, nos gostos, os hábitos norte-americanos.

Estamos em 2020, celebramos o 7 de setembro, festa nacional. Estamos na Semana da Pátria e estou em situação de imensa dificuldade para ufanar-me do meu país.  Mas como sou brasileira de coração e descendência; como só tenho um passaporte que me faz ficar horas em filas esperando agressivas e humilhantes inspeções nas fronteiras de vários países do mundo; como não consigo não vibrar quando ouço o hino nacional; quero e desejo encontrar razões para orgulhar-me da pátria em que nasci e onde até hoje vivo. E confesso que está difícil.

O país passa por uma pandemia e conta mais de 120 mil mortos. Mergulhado em luto e tristeza, não consegue vislumbrar uma solução a curto ou médio prazo para a enorme catástrofe em que se encontra. Ao lado disso, a barca brasileira flutua à deriva, sem que se consiga avistar com alguma nitidez onde está, o que faz, ou mesmo quem é o timoneiro.

A corrupção nossa de cada dia, apesar da pandemia e da situação de emergência, só faz crescer. A economia penaliza os pobres e faz projetos emergenciais que não atendem as emergências.  Essas, por sua vez, passaram a ser pão de cada dia dos cidadãos desse chão. O Ministério da Saúde encontra-se vacante há mais de 100 dias, enquanto a crise sanitária segue grave. Os vários ministros que passaram pela pasta foram exonerados ou se autoexoneraram, não suportando ser constante e implacavelmente desautorizados pelo Executivo.

Até nossas riquezas e recursos naturais – abundantes e generosos – encontram-se ameaçados: desmatamentos, queimadas, agressões constantes ao meio ambiente, às reservas indígenas,  contaminação de rios, loteamento da Amazônia situada em boa parte no Brasil, embora seja composta por nove países e constitua um patrimônio da humanidade.

Que razões tenho, então, para ufanar-me de meu país? Deverei sentar-me e chorar, lamentando a sorte desta terra onde nasci e que sempre amei? Não, se pensar nas centenas de voluntários que organizam e distribuem cestas básicas nas comunidades mais carentes, onde falta o alimento.  Não igualmente se fixar meu olhar nos médicos e profissionais da saúde que se arriscam a todo momento nos hospitais para salvar vidas ameaçadas pela pandemia de Covid-19. Menos ainda se reparar no esforço dos artistas que, impedidos pela crise sanitária de dar espetáculos em teatros ou palcos, fazem lives pela rede ou mesmo cantam nos balcões e varandas das cidades, aliviando a angústia de muitos.

O melhor de meu país é o povo que nele vive. Gente que foi feita para brilhar e não para morrer de fome, como diz Caetano Veloso. Gente que tem que lutar pela vida com uma das mãos e reparte o pouco que tem com a outra. Gente que se arrisca para que o outro tenha vida.  Gente que é capaz ainda de cantar e se alegrar mesmo em meio a tanta tristeza.

Essa gente, esse povo, é a única reserva de esperança que o Brasil tem.  É o único motivo para dele “ufanar-se”. Essa gente que não deixam brilhar, mas apesar de tudo brilha em sua generosidade, solidariedade, alegria.  Por essa gente e com ela faz sentido celebrar a Pátria.

 Obs: Maria Clara Bingemer é professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio e autora de “Mística e Testemunho em Koinonia” (Editora Paulus), entre outros livros.

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