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A definição de Justiça em geral, como conhecemos e discutimos hoje está restrita ao direito legal, com ênfase inclusive nos direitos individuais, com forte influência Aristotélica e da Teologia de São Tomás de Aquino. Por isso é preciso resgatar a tradição Judaico-cristã, na qual a justiça se baseia no direito daquele que não tem nada.

Para a sagrada escritura no Antigo testamento a palavra MISHPAT- designava a Ordem justa da sociedade em sentido objetivo, o que nem sempre era respeitado por isso a palavra sempre aparece acompanhada da palavra (sdáquâ) que significa justiça, sendo deste modo a obrigação moral do direito em sentido objetivo. Só sendo possível que exista o Direito onde houver a justiça.

A justiça obriga moralmente a se preocupar com os mais pobres dentre o povo: lembrando aí da tríade, muito repetida nas sagradas escrituras: A viúva, o órfão e estrangeiro. Deus, Javé, é aquele que viu a miséria do seu povo, ouviu o seu clamor e desceu para libertá-lo. Ex 3, 7-8. Dt 26,5-9.

Justiça não é só dar ao outro o que lhe pertence, mas também é dar, repartir com quem nada tem. Duas vertentes e duas verdades na DSI- Justiça e Caridade. Uma não vive sem a outra. A caridade não pode substituir a Justiça, acobertando a injustiça e a Justiça sem a caridade não suficiente.

A justiça não consiste somente na obrigação moral de dar ao outro o que lhe pertence, mas também dar algo a quem nada possui, socorrer as necessidades do estrangeiro, da viúva e do órfão. É a partir dessa compreensão que são feitas advertências muito sérias às lideranças do povo. (Am. 5,24; Is. 1,17; Jr. 22,3.)

A mensagem de Jesus seguiu na mesma linha. Mt. 25, 31ss. Jesus se põe ao lado dos excluídos da sociedade, coloca a riqueza e o acúmulo de bens, como o grande responsável por sufocar a mensagem do evangelho. A grande rival de Deus. Mt. 6, 24; 13,22. A diferença da mensagem de Jesus é que ela não só denunciava, mas também anunciava algo novo. A boa notícia aos pobres.

Jesus torna a Boa Notícia presente em seus gestos, atitudes e opções. Nas curas, na distribuição do pão, na acolhida dos marginalizados. O Reino de Deus é Gratuidade absoluta, oferecido a todos. Mas preferencialmente aos mais pobres que acolhem essa mensagem.

Buscar em primeiro lugar o Reino e a sua justiça, virou imperativo de primeira ordem para os discípulos. MT, 6,33. Não se pode amar verdadeiramente a Deus quem não vê a necessidade do outro. 1 Jo. 5,20- Pois a fé sem as obras de justiça para com os necessitados é morta em si mesma. Tg. 2,14-18

Essa tradição bíblica-cristão continuou na Igreja com a Patrística, isto é, os padres da Igreja que refletiram e estudaram os temas mais importantes, para o cristianismo deixando um legado de grande proporção. Acentuam o direito dos pobres e entendem a justiça como algo que lhes é devido, condenam o lucro fácil que é tido como “usura” uma verdadeira praga social. Pregam a justiça social, baseados na “destinação universal dos bens da criação.”

Santo Ambrósio, dizia:

“Por que rejeitais a quem participa da vossa natureza e reivindicais a posse dessa mesma natureza? A terra foi feita para todos em comum, ricos e pobres. […} Porque o Senhor Deus quis que essa terra fosse propriedade comum de todos os homens e a todos oferecesse seus produtos, mas a avareza repartiu os direitos de posse”.

O paradigma, o entendimento bíblico e Patristico, de Justiça foi rompido com São Tomás de Aquino, quando baseado nas ideias gregas de Aristóteles, tomou a justiça como uma simples virtude.

Entre o Direito do Pobre e o Direito à propriedade, valorizou a a segunda opção em sua famosa Summa Teológica. O direito do Pobre foi praticamente esquecido depois disso. Só vindo a ser retomada a partir de 1950, com a Nova Teologia que buscava um retorno as fontes.

Com o aparecimento da Teologia da Libertação na América Latina, esse conceito de Justiça, como direito dos pobres e oprimidos foi devidamente retomado e valorizado. A busca pela justiça tem um sentido estrutural, isto é, a construção de novas estruturas sociais conforme as exigências éticas do reino de Deus. Isto foi afirmado na conferência de Medellin, a partir da constatação de que a injustiça era algo institucionalizado.

O Sínodo dos Bispos de 1971 chegou a afirmar o seguinte:

“A Ação pela justiça e a participação na transformação do mundo aparecem-nos claramente como uma dimensão constitutiva da pregação do evangelho, que o mesmo é dizer, da missão da Igreja, em prol da redenção e da libertação do gênero humano de todas as situações opressivas.” (Sínodo dos Bispos 6) 

A  Ação em favor da justiça não é somente ética, mas, a luz da fé, torna-se locus theologicus, ( lugar de vivência) pois contribui para o crescimento do Reino de Deus, presente, desde já na história humana: reina do verdade e de vida, reino de santidade e de graça, reino de justiça, de amor e de paz.

A Justiça social, exigência conexa com a questão social, que hoje se manifesta em uma dimensão mundial, diz respeito aos aspectos sociais, políticos e econômicos e, sobretudo à dimensão estrutural dos problemas e das respectivas soluções” (Compêndio de Doutrina Social da Igreja 201).

Obs: O autor é escritor, poeta, advogado, Especialista em Gestão Ambiental de Cidades e Mestre em Gestão e Planejamento Ambiental.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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