Há quanto tempo eu não me sentava no banco do jardim de nossa casa. Que prazer enorme. Vejo que as flores continuam lindas e maravilhosas e que beija-flores e borboletas continuam a visitá-las, num movimento singelo de pura beleza. Impressionante como a correria do nosso dia a dia nos priva de tão sublimes momentos. Como não contemplar esse acalentador céu azul, com o ballet das nuvens, enfeitiçando-nos, permitindo-nos ver: elefantes, cães, gatos, pássaros, cavalos etc. etc. Tudo dependendo só de nossa imaginação. Vemos o que queremos ver e cada um vê com sua alma.

Eu agradeço sempre por  minha alma de criança, apesar dos cabelos iniciando a ficar brancos, ela ainda alimenta a criança dentro de mim. Não quero perder esse privilégio de reconhecer a criança que me encoraja a continuar na busca constante da felicidade.

A maturidade é muito importante, nos dá equilíbrio, nos faz desconsiderar as críticas que não nos enriquecem, nos permite realizações, nos permite dizer que não gostamos de comer peito de frango. Posso dizer que: até posso comer pizza, mas não gosto. Também posso dizer que nunca gostei de café quente e que hoje nem café eu tomo, substitui por chá verde.

Hoje procuro não machucar ninguém, mas já posso dizer que me incomoda gente que fala gritando, que fala da vida alheia, gente que não respeita os mais velhos, que não respeita os animais ou crianças. Não preciso mais suportar esse tipo de gente.

Do mesmo modo posso dizer, sem nenhum receio, sem vergonha ou com qualquer preocupação que adorava os salsichões assados em um espetinho que eram vendidos nas barraquinhas de cachorro quente, em frente ao Clube Internacional, nas madrugadas após os bailes. E posso dizer também, sem inibição, que adorava uma porção de macaxeira ou inhame com galinha guisada ou com uma deliciosa carne de sol servida nas barracas, em frente ao Hospital Pronto Socorro do Recife, que nas madrugadas nos dava um “reforço” após as noitadas nos bailes. E posso dizer com satisfação e com um largo sorriso que sobrevivi a tudo isso.

É a maturidade é muito importante, mas também é muito chata. Ela  fica escondendo a nossa criança, que precisa ser imortal. Não nos deixa saborear, às escondidas, umas colheradas numa lata de leite moça. Se lambuzar todo com chocolate, subir perigosamente numa árvore para colher e saborear seus frutos. Mas temos que reconhecer que só ela pode nos proporcionar tantas recordações. Quanto mais maturidade vamos alcançando, mais recordações teremos e eu já tenho uma boa listagem de recordações. Mas não quero deixar essa criança se despedir de minha vida.

Como esse banco do jardim da nossa casa nos faz bem. Além de me proporcionar um fantástico espetáculo como o cantar dos pássaros,  a beleza das rosas, dos hibiscos,  dos jasmins, dentre outras flores, a brisa nos acaricia suavemente como se fora um abraço carinhoso da amada. Ouço a distância uma romântica canção ou será só a recordação daquela música: A Praça?

A praça sempre foi dos enamorados, desde o início da paquera. Recordo a praça da Igreja Matriz de Vitória de Santo Antão onde, após a missa do domingo à noite, os rapazes ficavam circulando em um sentido e as moças em sentido contrário e ficávamos ambos  “jogando” aquele charme. Muitas vezes a paquera continuaria à noite na boate Gamela de Ouro e já na primeira música, dançando, após o tradicional papo e, diga-se de passagem, super manjado e conhecido pelas meninas: Você é daqui mesmo? Vens sempre aqui? Estás gostando da festa? Você dança muito bem. E logo, na sua primeira tentativa, dependendo da reação da garota, após um leve aperto seu, o namoro poderia se concretizar. Mas se a resposta da garota fosse um cotovelo firme no seu ombro para lhe afastar, esqueça meu amigo, certamente não haveria muito futuro nesse encontro. Conheço alguns casamentos que tiveram início naquela circulada lá na praça. E, pelo que sabemos, até hoje continuam casados.

Relembro a praça da Vila do IPSEP, em Recife, onde o desfile após a missa era um deslumbre. As mais belas meninas precisavam da “confirmação” do seu poder de sedução e então disputavam circulando naquela praça os olhares dos jovens da época. Era realmente um senhor desfile.

Ainda no ambiente de praça a memória me apresenta a praça em frente à Igreja matriz de Currais Novos, no Rio Grande do Norte, onde recém formados fomos eu e um colega de universidade trabalhar. A cidade tinha como atividade principal a mineração, então os “estrangeiros” eram sempre técnicos agrícola ou engenheiros. Como nós éramos relativamente jovens, não parecíamos ser engenheiros (nós somos médicos veterinários) o comentário entre as meninas era o seguinte: vocês já viram os novos técnicos agrícolas na cidade? Nós éramos tão jovens que uma proprietária de uma fazenda, quando o veterinário que fomos substituir nos foi apresentar disse ao nosso colega que não gostaria que “dois meninos desses” lhe prestassem assistência médico veterinária. Mas aos poucos fomos nos integrando à cidade, ganhando confiança dos pecuaristas e a primeira cirurgia que realizamos foi em uma vaca de propriedade do governador do estado. E como não poderia deixar de acontecer começamos, algum tempo depois, a namorar garotas da cidade. Pode-se observar como o santo e o profano sempre caminharam juntos: Sempre à frente de uma igreja, havia uma praça para as paqueras.

Carlos Imperial eternizou a praça, como sendo dos apaixonados, na voz do Ronnie Von. Quão romântica  fora a praça para tantos casais enamorados. Quantos casais “marcaram” seus corações em árvores da praça, quando em juramentos de um eterno amor. E um beijo, roubado ou em aconchego perfeito, selava aquele amor.

Como esquecer momentos de tanta felicidade na nossa adolescência/juventude e como esquecer nossos sonhos. Alguns realizados, outros nem tanto e muitos ainda para serem realizados.

Que bom ter esse banco no jardim da nossa casa e nele poder tranquilamente se sentar. Com tudo que nos rodeia, os sonhos se reabastecem, a criança palpita no  peito a esperança se renova sem perder o espetáculo de um novo dia.

Sim a maioridade também nos é importante:  nos aconselha, nos mostra caminhos, nos encoraja a vencer obstáculos, nos  permite selecionar tudo, sem ter que ficar preocupado com a opinião dos outros, nos permite exercer a profissão que escolhemos, nos aproxima dos verdadeiros amigos, nos deixa amar com serenidade, nos estimula a sabedoria, tudo vai se acalmando, conforme nosso merecimento. Sem dúvida todos queremos chegar à maioridade e vivê-la intensamente. Apesar de difícil a maioridade é inevitável.

Entretanto, não quero perder essa criança que mora em meu ser, ela é que me fortalece porque não  me deixa abandonar os meus sonhos e eles são tantos ainda. Talvez, se não fosse a criança que mora comigo, eu já não os tivesse mais. Por isso vou preservar esse banco no jardim da nossa casa, para que eu possa sempre descansar do cotidiano.

Obs: O autor, Prof. Dr. Rômulo José Vieira é Acadêmico da Academia de Ciências do Piauí; Acadêmico da Academia de Medicina Veterinária do Piauí; Acadêmico correspondente da Academia de Medicina Veterinária do Ceará; Acadêmico correspondente da Academia Pernambucana de Medicina Veterinária.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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