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O filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905 -1980), em uma de suas obras saiu-se com essa: “O inferno são os outros”. Devido às interpretações equivocadas que muitos fizeram da afirmação, resolveu explicar que não é bem assim, ou seja, nem sempre é assim. E disse, então, que os outros são o que existe de mais importante para nós, isto é, a possibilidade que temos de conhecermos a nós mesmos. A relação eu-tu ou eu-outros foi e é tema interminável de discussão dos filósofos. Não só deles, mas de todos, pois na alteridade residem nossas grandes complicações e nossas maiores realizações. Se, em determinadas situações, as relações humanas e sociais podem configurar uma espécie de inferno sentido ou imaginado, noutras podem recuperar, estabelecer ou antecipar o próprio paraíso perdido ou pretendido.
Queiramos ou não, somos lançados ao mundo para viver a alteridade, o encontro, a convivência, a socialização com os outros. E, nesta condição, podemos amar ou odiar; cultivar o respeito ou fomentar a estupidez; produzir o inferno ou procurar construir um “paraíso terrestre coletivo”. Conforme declarou o escritor francês Georges Bernanos (1888 – 1948), o infernal mesmo é não amar. Quem não ama ou perdeu a capacidade de amar, já está fazendo um experimento daquele “lugar/situação” temerário. Embora alguns creiam que o inferno não exista, não custa dar uma olhada às voltas e ver as situações infernais que são criadas e impostas pelo “eu” sobre o “tu” ou sobre o “nós”; por “eles” sobre “nós”, quando não por “nós” sobre “eles” e vice-versa e reversa. E, quase sempre, pelos ricos e poderosos sobre os pobres e vulneráveis.
Se o inferno é não amar, concordando com Bernanos, pode-se dizer também que é infernal ser indiferente diante do sofrimento, da dor e da morte dos outros. Se já é péssimo não amar e ser indiferente, o que dizer de quem odeia? E de quem (no singular e no plural) vive para plantar a cultura do ódio e espalhar suas sementes aos quatro ventos? O que dizer de governos e sistemas que produzem ódio o tempo todo ao invés de promoverem o bem comum? Que estimulam a compra e o uso de armas para impor a ordem ao invés de buscar o desarmamento de todos para garantir a paz.
Jesus – aquele que foi morto pelo ódio em função de seu amor inquieto – ensinou que o amor é a primeira e principal de todas as leis. Trata-se de um princípio fundamental e determinante em todos os tempos, lugares e circunstâncias. Não falo do amor fantasioso, mas daquele radical que se traduz em solidariedade, compartilhamento, comunhão, justiça social, vida digna para todos. Um sentimento fácil de perceber, difícil de definir e extremamente exigente em sua prática, se bem entendido e bem vivido. Parafraseando Cecília Meireles, ‘uma palavra que o sonho humano alimenta, e que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda’.
Se, por um lado, podemos não amar, permanecer indiferentes e apáticos diante dos outros que nos lançam apelos de alteridade e solidariedade, por outro, temos a possibilidade de fazer o contrário, ou seja, de amar em alto grau, porque o amor faz a diferença. Em última análise, amar é uma decisão pessoal, assim como odiar. Para além de qualquer conotação cafona, romântica ou folclórica, ou optamos pelo amor capaz de superar o racismo, o machismo, o autoritarismo, o individualismo, os fundamentalismos de toda espécie ou permitiremos que a barbárie siga avançando a passos largos sobre a nossa história.
Se sabemos que o inferno é não amar e se pressentimos, experimentamos ou imaginamos que não é uma sensação agradável, porque muitas vezes seguimos em sua direção? Se nós, enquanto seres humanos, podemos amar, por que será que ainda seguimos, seguem, seguiremos ou seguirão odiando? Diante de toda arbitrariedade, ódio, mentira, violência e estupidez, fica decretado que só vale o amor. E como escreveu Thiago de Mello, o poeta defensor dos direitos humanos, no poema intitulado Os Estatutos do Homem, no artigo XII, parágrafo único: “Só uma coisa fica proibida: amar sem amor”. 26.06.20
Publicado em http://www.ihu.unisinos.br/600354-o-amor-ainda-faz-a-diferenca
Obs: O autor é Doutor em Sociologia, pós-doutor em Educação e professor da Universidade Federal do Sul da Bahia