O Brasil enfrenta uma fase de conflitos e de lutas. O discurso extremista compromete as relações entre os cidadãos. Vale recordar, contudo, que o mundo grego discutia as questões da cidade na ágora. Tudo era feita tendo em vista o “bem comum” da polis. Tantas vezes usamos, infelizmente, o argumento do “bem comum” nas questões de política para afirmar o bem individual, comprometendo a coletividade. Só saberemos se um discurso é genuinamente política se serve para edificar a vida em todas as suas dimensões.

A propósito, o que seria mesmo esse bem comum? No contexto da Sagrada Escritura, encontramos um exemplo típico, aquele da rainha Ester. Ela se apresenta diante do rei e lhe faz um pedido que carrega toda a intenção do que deveria ser a política. Assim, dirige-se a rainha ao rei: “Se ganhei as tuas boas graças, ó rei, e se for de teu agrado, concede-me a vida, eis o meu pedido, e a vida do meu povo, eis o meu desejo!” (Ester 7,3). Vida para o povo é o desejo da ousada rainha. Não deveria também ser esta a preocupação de todo político? Se os projetos e reformas não são para edificar a globalidade da vida, então o ser humano permanece fragmentado. O Papa Paulo VI, em sua Encíclica Populorum Progressio, defendia que o verdadeiro progresso só acontece se ocorrer o desenvolvimento de “todo homem e do homem todo”, ou seja, ninguém pode ficar excluído e deve-se empreender uma formação global do homem.

Neste sentido, o conceito cristão de política sempre considera o cuidado e a promoção da vida em todos os seus aspectos. Devemos ter atenção para não reproduzir a famosa tese de Thomas Hobbes: “O homem é o lobo do próprio homem”. Pelo contrário, apesar de sofrer a influência da corrupção do pecado, o ser humano, através da Graça de Deus, poderá ser elevado em sua dignidade de imagem e semelhança. Assim, entende-se a bondade de sua natureza.

Nicolau Maquiavel pensava a política diferente do modo clássico grego. Em vez de entendê-la a partir do “dever ser” (sentido normativo) ele a interpreta a partir do modo de como ela é, ou seja, sua tese política parte de um pragmatismo, o qual ao olhar ao seu redor constata que as coisas não andam tão bem e que, portanto, é possível criar estratégias para garantir a vitória. O problema que decorre desse modo de pensar é que a ética fica comprometida, porque os meios acabam justificando os fins. Mais uma vez, a teologia cristã em seu ensinamento moral social não compactua com as estratégias humanas que comprometem a vida como fim em si.

Nestes momentos obscuros da história, onde os ânimos se alteram e corremos o risco de esquecer a ética da compaixão e do cuidado, seria bom espelharmo-nos em figuras bíblicas, como a rainha Ester. A boa política não se faz em benefício próprio. Fundamenta-se, sim, em atitudes concretas que fazem crescer o ser humano em sua globalidade, ou seja, em suas dimensões mais profundas. Unamo-nos todos para que isto seja realidade! (Camaragibe/PE, 19 de agosto de 2020)

Obs: O autor é religioso da Congregação da Paixão de Jesus Cristo (Passionistas). Natural de Fagundes, Paraíba. É mestre em Teologia Fundamental pela Pontifícia Universidade Gregoriana (PUG) – Roma.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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