Nunca um termo chulo galgou às culminâncias literárias, como ocorreu com a palavra foda. De logo, um aviso: não feche o jornal o leitor espantado. Vá até o final que aqui não tem nada que ofenda aos bons costumes. Estou estupefato também. E mostro logo minhas armas, em alguns livros, inclusive um que figurou entre os mais lidos no ano findo. Ei-los: Seja foda, de Caio Carneiro; Enfodere-se!, também de Caio Carneiro; Todo amor é foda, de William Kokubun; A sutil arte de ligar o f*da-seuma estratégia inusitada para uma vida melhor, de Mark Manson; F*deu geral – um livro sobre esperança?, também de Mark Manson; Seja foda, seja inteligente, de David Focker; Des foda-se, de Gari John Bishop; e o beste seller O coach do foda-se – uma estratégia pra você parar de se importar, de Diva Depressão. São alguns.

Não os adquiri, nem os folheei, nem abri, ainda, espaço, para leitura futura. Pode ser, até, que esteja perdendo algo positivo, mas, por ora, me mantenho de estante fechada. Há um bocado de livros na frente, para leitura, e, não vou abrir exceção alguma. O que me despertou a atenção é o pulo do termo, nascido na sarjeta, para, de um momento para outro, virar título de livro, ganhando um significado totalmente diferente daquele que ensejou a sua origem. É certo que é resultado de um longo processo em que saiu do lixo para o luxo, à medida em que, aos poucos, foi introduzido nas conversas sociais como sinônimo de algo agradável.

É o contrário que capto no velho dicionário, edição de 1986: coisa desagradável ou difícil de executar ou suportar. Contudo, além de se impor, com a façanha de ser título de livro, mudou de significado, a água se tornando vinho. Deixou de ser desagradável. Agora, é  extraordinário, bom em algo, como colho em dicionário eletrônico, conclusão que o leva ao ponto mais alto do morro, como exemplo a ser seguido, despojando do visgo do pântano, onde nasceu e se criou. 1

Não sei como o estudioso do idioma encara essa mudança. Eu até já tinha me acostumado, porque quando mando mensagem para Helder, ante qualquer distinção de que sou alvo, não me surpreendo com a sua observação: Esse avô de Theo é foda! Deixo a batata quente para os entendidos. De minha parte, a iniciativa de ensejar a discussão. A palavra está franqueada – Diário de Pernambuco, 7 e 8 de março de 2020.

Obs: Publicado no Diario de Pernambuco
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras
  

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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