Frei Betto 1 de agosto de 2020

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Jesus trata a questão do poder em Lucas 22, versículo 24. Entre os discípulos discutiu-se quem seria o mais importante. Como a questão é atual! Nos apegamos a qualquer funçãozinha, a ponto de nos despersonalizar! Há quem assuma uma função de poder – político, síndico de prédio, gerente do banco, diretor de ONG – e apenas por ocupá-la se despersonaliza. Passa a considerar a função que o reveste mais importante que a própria individualidade. E morre de medo de perder o cargo.

Disse Jesus aos discípulos: “Os reis das nações têm poder sobre elas, e os que sobre elas exercem autoridade são chamados ‘benfeitores’. Entre vocês não deverá ser assim; pelo contrário, o maior seja como o mais novo, e quem governa, como aquele que serve”. Eis o desafio da ética do poder: fazê-lo serviço. Sentir-se no poder como o menor, como quem serve.

Em João 13, versículo 4, Jesus lava os pés dos discípulos. Chegou a vez de Pedro: “Senhor, vai lavar os meus pés?”. Jesus respondeu: “Agora você não sabe o que faço, ficará sabendo mais tarde”. Pedro reagiu: “Não permito que lave os meus pés”. Jesus retrucou: “Se eu não lavar, você não terá parte comigo!”. Simão acedeu: “Então, Senhor, pode lavar, não somente os pés, mas também as mãos e a cabeça”.

Jesus se colocou no lugar do servo, daquele que se abaixa e não se envergonha de servir ao próximo.
Segundo Mateus 16, versículo 13, em Cesárea de Filipe, Jesus perguntou aos discípulos: “O que diz o povo sobre o Filho do Homem?” Quem detém poder – na escola, empresa ou igreja – tem coragem de perguntar aos parceiros: “O que falam de mim?” Possivelmente não; imagina que as pessoas falam dela o que gostaria de ouvir. E morre de medo de saber de fato o que comentam.

Jesus quis saber a opinião das bases sobre ele. Os discípulos responderam: “Alguns dizem que é João Batista; outros, Elias; outros ainda Jeremias ou algum  profeta”. E Jesus replicou: “E para vocês, quem sou?”
Quem de nós é capaz de perguntar às pessoas com quem convivemos e trabalhamos: “O que pensam de mim? O que acham do meu desempenho?” É muito difícil aceitar críticas. Em geral, ao deter parcela de poder, ficamos arrogantes, prepotentes, e humilhamos os subalternos.

 Na parábola do Bom Samaritano, capítulo 10 de Lucas, o doutor da lei – portanto, um teólogo – perguntou: “Mestre, o que fazer para alcançar a vida eterna?” Nos quatro evangelhos nunca esta pergunta sai da boca de um pobre. Toda vez que se pergunta a Jesus “o que fazer para ganhar a vida eterna”, com certeza é alguém que já ganhou a vida terrena e quer saber como investir na poupança celestial… É a pergunta de Nicodemos, do homem rico e de Zaqueu.

Nunca um pobre pergunta a Jesus “como ganhar a vida eterna”. A pergunta dele é outra: “Senhor, o que fazer para ter vida nesta vida? Minha mão está seca e preciso trabalhar; meu olho está cego e anseio por enxergar; minha filha está doente e desejo vê-la curada; meu irmão está morto e quero-o vivo”. Os pobres pedem vida nesta vida. Aos primeiros, os abastados, Jesus responde com ironia e irritação. Aos pobres, com compaixão e misericórdia.

O doutor da lei perguntou a Jesus: “Quem é o meu próximo?” Então a conversa mudou de figura. Jesus não raciocinava em categorias abstratas. O próximo, para ele, era um ser datado, localizado: “Um homem descia de Jerusalém para Jericó, e caiu nas mãos dos assaltantes, que lhe arrancaram tudo e o espancaram. Depois foram embora e o deixaram quase morto”. Era tempo de festa em Jerusalém. Quem vendia produtos em Jerusalém descia para Jericó com o bolso cheio de moedas. Possivelmente, os ladrões ficaram irritados porque aquele homem quase não tinha dinheiro. Então deram-lhe uma surra.

Jesus não fez nenhuma crítica aos assaltantes, mas observou que um sacerdote, que descia pelo mesmo caminho, viu o homem caído e seguiu em frente. Depois, desceu um levita; também passou indiferente. Ora, podemos supor que o sacerdote e o levita não acudiram por má vontade. Tinham que participar da missa das 6 horas em Jericó e, para não se atrasar, deixaram de socorrer o homem… Mas, na missa, incluíram a vítima caída na beira da estrada nas Orações dos Fiéis…

Jesus só levou em conta a ética do samaritano. Este não conhecia o homem, não tinha nada a ver com ele, mas diante de um oprimido, um caído, um explorado, mudou o rumo do seu caminho para socorrê-lo.
Ética é isso! Não é fazer o bem apenas a quem encontro em meu caminho. É ser capaz de mudar o rumo na direção dos mais necessitados. Conversão não é questão de sentimento, e sim de sentido – quem caminha pela indiferença tome agora o rumo da solidariedade.

Esta a atitude que o Evangelho exige: fazer do poder, qualquer forma de poder, serviço, de modo a trazer vida para todos, e vida em plenitude (João 10, 10).
Estamos trazendo mais vida, ajudamos a reduzir a desigualdade social e os desequilíbrios ambientais? Não basta eleger, precisamos nos convencer de que temos o poder. Os políticos são nossos empregados, pagamos os salários deles e, por isso, temos o dever e o direito de exigir que prestem contas.

Governo é que nem feijão, só funciona na panela de pressão! Há que fazer os políticos governarem para o povo. Isso significa reforçar o empoderamento popular, fortalecer os movimentos sociais, criar uma nova institucionalidade política, na qual o exercício da democracia seja substancialmente ético. Como afirma Levinas, a política deve ser sempre controlada e criticada a partir da ética. E esta deve ter como paradigma os direitos dos pobres.

Obs: Frei Betto é escritor e autor do romance ”Aldeia do silêncio” (Rocco), entre outros livros.

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