Um relacionamento íntimo e duradouro não é construído de uma hora para outra. Costuma ser montado com pedra sobre pedra em uma base afetiva sólida, sobretudo, se existe igual nível de atração, sentimento de dignidade e amor. Mesmo assim, depois de um longo tempo próximos um do outro, oscilações emocionais trazem ao relacionamento momentos de altos e baixos, com estremecimentos na convivência. O apego intenso dificulta a percepção de que as estremeções tratam-se de um ensaio do que está por vir. Seguro de sua presença em minha vida desde o dia em que a encontrei, ainda adolescente, numa festa inocente de fim de semana, não percebia o desenrolar das mudanças.

De forma suave, sem gritos e sem agressões, os momentos de prazer foram deixados de lado: o diálogo foi lentamente substituído pelo silêncio; sua fala escassa não trazia o mesmo viço; não fazíamos refeições nos mesmos horários e nossa estação sentimental tornou-se nublada e fria e a cama virou um lugar somente para dormir. Não conversávamos sobre assuntos delicados, não trocávamos confidências nem sorrisos, sinalizando o final de uma relação de reciprocidade profunda. As alterações dos costumes provocavam um desequilíbrio no relacionamento e eu não sabia como tentar reconstruir um amor de livro com quem partilhou de minha história depois de ter praticado um atentado contra a moral cristã e às normas sociais vigentes. Nossos sentimentos estavam arranhados profundamente por minha culpa.

Reconheço que nunca fui perfeito e costumava perdoar minhas falhas com rapidez, mas encontrava dificuldades em descartar de imediato as mágoas que me chegavam. Fiquei acordado várias noites preocupado com a responsabilidade pelo sucesso ou fracasso na condução de minha nova situação e em contornar o impacto e os respingos amargos em todos da família, principalmente, nos filhos que idealizavam um ambiente saudável, uma educação de qualidade e boa estrutura social. A separação costuma interferir no comportamento dos filhos, no aprendizado escolar e no risco de envolvimento em atos ilícitos. No entanto, com os pés no chão, eu não iria economizar esforço para cuidar de quem estava ao meu redor.

De súbito, eu não sabia como começar a agir e sem conhecer o real tamanho do estrago em meus sentimentos, passei a sentir uma dor surda no peito e queria uma fórmula mágica para curar a angústia que trouxe o rompimento. A fórmula para superar uma separação não é igual para todas pessoas. Passei a esquecer palavras que viviam na ponta da língua, levava mais tempo para aprender o que estudava, encontrava dificuldades para realizar tarefas habituais e não sabia como dar um basta no abatimento que crescia em minha alma. A maioria de nós sente um pouco de tristeza de tempos em tempos, mas já havia vários meses que percebia tristeza no ambiente externo e no meu interior. Era conveniente manter a calma e a paz, para com tranquilidade, definir novos rumos e traçar metas para alcançá-los. Queria viver experiências novas, mas tinha receio de cometer os mesmos erros. Devia aprender a conviver com a solidão e somente depois pensar em refazer a vida.

Eu sentia que algo estava me faltando e não tinha muito tempo a esperar. Procurava um meio de motivar-me, remover as dificuldades e eliminar a sensação de estar sozinho no universo. A ideia inicial era sair de dentro de mim, não esconder meus sentimentos e conhecer pessoas sem marcas de espancamento psíquico. Reconheço a necessidade de nos completar com outras pessoas e eu queria receber atenção e carinho suficientes para suprir meus vazios afetivos, mas na vulnerabilidade do momento, existia o risco de me envolver com mulheres oportunistas. Tracei perspectivas para a maneira de viver a longo prazo e não pretendia passar as rédeas de meu plano de voo para outra pessoa. Já aceitava como natural o fato de as coisas que nos aproximaram terem sido diluídas no meio da jornada e de que eu teria que seguir minha própria vida. Remexi meu baú de coisas velhas com a finalidade de reconhecer minhas qualidades, meus defeitos e minhas limitações, pois era preciso superar as deficiências, fazer mudanças no estilo de vida e retomar o controle do meu dia a dia.

De forma gradual comecei a fazer caminhadas, aguar o jardim, passear com os cachorros, tomar banho de mar, relaxar na rede ouvindo os cantos dos pássaros, rever velhos amigos e fazer dança de salão e bolero. A dança é romântica, social e aeróbica. Melhora o equilíbrio, a coordenação motora, o condicionamento físico, atenção, concentração, a memória recente, diminui o estresse e ansiedade além de queimar gordura. Era um aluno motivado para evitar o fracasso, mas sem preocupação de obter o sucesso esperado pelo professor. E, indiferente dos passos, nem demais nem de menos, que já dominava, era estimulado a frequentar os bares dançantes da orla marítima e curtir as madrugadas. Em pouco tempo conheci o que a noite nos oferece: restaurantes, shows, álcool, drogas e sexo. Eu queria apenas um lugar para sentir calor humano e passei a curtir no Beer House, um local rústico, simples, agradável, aconchegante, com música ao vivo e senti-me abraçado pelo ambiente.

Nas sextas-feiras não ocorria ocupação máxima e assim que entrei no Beer House, percebi que todos os olhares eram seduzidos para o centro do salão, onde uma quarentona jovial, esbelta e solta, dançava rock-and-roll, distribuindo charme, classe e sensualidade cativantes. Foi a mulher mais atraente que conheci na vida noturna. Seu sorriso sincero natural e sensual enviou-me sinais sutis e gestos tão simples, que de imediato eu não sabia como interpretá-los. O flerte é a forma mais comum de demonstrar interesse, mas, “gato escaldado tem medo de água fria” e eu precisava agir de maneira segura e responsável para vencer o medo de não ser correspondido. Esforçava-me para traduzir as mensagens de seus olhos, quando nossos olhares se cruzavam e fiquei a vigiar atentamente seus movimentos. Percebendo meu interesse, mas também minha timidez, estendeu o braço e dirigiu-me um “venha cá”. Incorporei a malandragem da vida noturna e me desloquei em sua direção, com o corpo no ritmo da música. Como seu coadjuvante, dancei até o dia amanhecer. Houve uma atração à primeira vista e tornei-me encantado por seus atributos e combinamos outro encontro para a noite.

Causou-me uma emoção inenarrável esperar o dia inteiro para o encontro da noite com a mulher que alvoraçou meu coração. Inicialmente nem tudo foram flores ao percebê-la dançando um bolero romântico com outro. Temi perder a companhia da noite e senti frio por ela não estar em meus braços. Não era o que eu queria para a balada e por alguns minutos minha alma foi invadida por angústia, frustração e sensação de solidão. Teria que aguardar o despertar de instintos sexuais em meu espírito para que ela percebesse minha presença e, assim, me dirigisse um olhar pidão ou ao menos um sorriso meigo e feliz. Eu precisava preencher o vazio que aflorava.

Dona de si, sabia atrair e provocar desejos de forma delicada e feminina. Com charme, boa aparência e comportamento discretamente insinuante, tinha o cabelo de comprimento médio, com madeixas loiras e acastanhadas, cacheadas nas pontas. Usava maquiagem suave com olhos esfumaçados e batom vermelho para o vinho. Vestia um tubinho preto, solto, com decote e fenda provocantes delineando a harmonia dos glúteos, as curvas e os movimentos do corpo como os ventos na água do mar e calçava uma sandália gladiadora estilo Hippie Chique. Um visual clássico que se encaixava em qualquer ocasião. Quando percebeu minha presença, seus olhos sorriram e logo estava ao meu lado. Disse-me: “eu vim aqui para encontrar você e sua ausência me fazia aflita. Preciso de sua companhia”. Dançamos coladinhos no salão, trocamos abraços e beijos. Seu toque, seu calor e seus passos exalavam desejos e me cativavam. A noite foi ativa e agressiva. Na hora de viajar, inteligente o suficiente para sair-se bem, completou: “conheci a Praia do Saco e Mangue Seco, Xingó, Orla de Atalaia e você, que mesmo sem falar sobre sua vida profissional e sentimental, sensibilizou e entusiasmou todos meus sabores. Volto para Itajaí levando uma paixonite aguda que nasceu de um rápido olhar”.

Percebi seus olhos molhados e apenas respondi: não vou te esquecer.
Aracaju/SE, 03 de julho 2020.

Obs: O autor é médico e membro da Academia Itabaianense de Letras.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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