Djanira Silva 15 de agosto de 2020

 

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Encontrei a porta aberta. Entrei na minha casa como se fosse uma estranha. Dali saíra há pouco tempo, um tempo importante, afinal, de minutos são feitos os séculos.
Expulsa do paraíso, do útero, da infância, da adolescência, presa nos caminhos das fugas.

O silêncio da porta aberta sugou-me como uma folha seca.

Debruçado na janela, ele não se voltou. Continuou impassível, mesmo quando eu disse – Oi, voltei. Não sei se não ouviu, ou fez que não ouviu, ou, se na verdade, não ouviu mesmo. Fora sempre assim.

-Precisamos conversar, insisti. Voltou-se devagar com gestos leves e sinuosos feito uma serpente se enroscando em si mesma. Parecia não me enxergar. Para sofrer menos, acreditei que me via. Na verdade, nem me via nem me ouvia e eu, que acreditava na felicidade, pensei que ele, um dia, habitaria meu mundo. Seu amor era uma loucura. Amava-me com as mãos com os lábios, com o abraço, com fúria. Não sabia falar. Sempre esperei pela palavra, uma palavra apenas. Meu corpo era um objeto onde injetava a droga, deixando um ranço de vício e dependência. Aquele fazer amor me queimava devagar e lentamente como um fogo subterrâneo.

 Precisava fugir daquele que me amava com as mãos, com os lábios, com o abraço apertado, me sufocando como se me matasse e sofrendo como se morresse.
– Preciso falar, insisti.
A vontade de dizer por que viera, fazia-me esquecer da força do silêncio que me expulsara.

 Eu nada sabia dele, da sua alma, dos seus sonhos. Nas horas em que ficávamos juntos, esperava a palavra que me redimisse. Apenas o silêncio nas manhãs em que acordávamos feito dois estranhos, nas noites em que anoitecíamos nos braços um do outro viciando o corpo com a droga cada vez com mais urgência.

Precisava daquele amor que me amava com os olhos com as mãos, com o abraço, de corpo inteiro.

Virou-se novamente para a janela, me aproximei.

A porta ainda aberta continuava chamando, esperando que eu voltasse oferecendo uma esperança falida.

Fui ao seu encontro.

Dependente precisava mais do que nunca daquela droga de amor.

Obs: A autora é poetisa, escritora contista, cronista, ensaísta brasileira.

Faz parte da Academia de Artes e Letras de Pernambuco, Academia de Letras e Artes do Nordeste, Academia Recifense de Letras, Academia de Artes, Letras e Ciências de Olinda, Academia Pesqueirense de Letras e Artes , União Brasileira de Escritores – UBE – Seção Pernambuco
Autora dos livros: Em ponto morto (1980); A magia da serra (1996); Maldição do serviço doméstico e outras maldições (1998); A grande saga audaliana (1998); Olho do girassol (1999); Reescrevendo contos de fadas (2001); Memórias do vento (2003); Pecados de areia (2005); Deixe de ser besta (2006); A morte cega (2009). Saudade presa (2014)
Recebeu vários prêmios, entre os quais:

Prêmio Gervasio Fioravanti, da Academia Pernambucana de Letras, 1979
Prêmio Leda Carvalho, da Academia Pernambucana de Letras, 1981
Menção honrosa da Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1990
Prêmio Antônio de Brito Alves da Academia Pernambucana de Letras, 1998 e 1999 
Prêmio Vânia Souto de Carvalho da Academia Pernambucana de Letras, 2000
Prêmio Vânia Souto de Carvalho da Academia Pernambucana de Letras, 2010
Prêmio Edmir Domingues da Academia Pernambucana de Letras, 2014

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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