Eu morava em Piedade (zona sul), mas na época, por conta da mudança de colégio, tinha muitos amigos em Casa Forte (zona norte da cidade do Recife), então, quando ia para festinhas no Clube Alemão, geralmente dormia na casa de uma amiga da minha sala. Mas neste dia eu fui dormir na casa de uma nova colega.
Quando voltamos da festa, cansadas, nos preparamos para deitar, mas antes fomos na cozinha fazer um lanche. A casa era enorme e parecia não haver ninguém além de nós. Neste momento tivemos que atravessar a imensa sala.
As cortinas estavam abertas e os janelões que davam para um grande jardim eram de vidro. O escuro lá fora e as plantas balançando ao vento me deram frio na barriga. O ambiente interno completou o meu pavor.
Haviam cinco pianos na sala de estar, todos cobertos com panos ou lençóis brancos. Fiquei imaginando o porquê de cinco pianos dentro de uma casa. Minha amiga seguia na frente e eu atrás, já aterrorizada com a estranha sensação que passei a sentir.
Lanchamos e aproveitei sua companhia para ir logo ao banheiro, temendo a vontade de fazer isso sozinha durante a madrugada. Tudo me parecia muito esquisito ali. Não se ouvia uma voz sequer.
Quando íamos para o quarto um gato preto e gordo que estava em cima de um dos pianos nos seguiu. Imaginei que não iria conseguir dormir se por acaso ele fosse ficar conosco dentro do quarto. Mas ela fechou a porta e ele, graças a Deus, ficou do lado de fora. Demorei muito a dormir pensando em quão assombrados me pareciam os compartimentos. As horas não passavam. O gato reclamou algumas vezes e depois se acalmou. Acho que peguei no sono quase pela manhã.
Estava num colchão improvisado no chão, ao lado da cama dela. Acordei com uma voz suave, parecendo vir de longe e abri os olhos muito sonolenta ainda. O susto não poderia ser pior. A mãe dela, já uma senhora de cabelos muito brancos e presos, me olhava bem de perto e fixamente dizendo: tão bonitinha ela.
Na hora fiquei até sem saber se realmente era sua mãe, pois era bem mais velha que a minha. O coração acelerou. Imaginei, de verdade, que seria uma alma do outro mundo. Depois soube que ela tinha tido essa filha já bem mais velha, com filhos adultos, fim de rama como dizem.
Sorri para ela, um pouco atordoada e assustada. Tinha ido nos chamar para tomar o café da manhã. Troquei de roupa, comi rapidamente e liguei:
mãe, por favor vem me buscar.
E essa foi a primeira e última vez que dormi lá.
Obs: A autora é poeta, administradora e editora da Revista Perto de Casa.
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