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Há quem me julgue excessivamente reativa, agressiva e até violenta, em meus comentários nas redes sociais.
Não sou mesmo, nem pretendo ser, uma pessoa absolutamente doce, tranquila ou desligada. Mas também não sou inconsequente, irresponsável ou cínica.
Claro, eu poderia fingir não ver e não ouvir, como fazem muitos que seguem aguardando o desfecho dos conflitos, para se posicionar a favor… de quem estiver no comando, é claro.
Nasci em Duque de Caxias, Baixada Fluminense, lugar onde fazia sempre muito calor. Quando eu era criança, aquela cidade era conhecida como a terra do Tenório. Tenório Cavalcanti fazia, na vida real, um personagem misto de bandido e justiceiro, mostrando-se extremamente poderoso e misterioso – uma espécie de cangaceiro urbano. Em Caxias, de então, enxergar era ver, de frente, as valas negras e sentir seu cheiro fétido, denunciante da podridão social.
Cresci em Petrópolis, nas montanhas do mesmo Estado do Rio, numa época em que a cidade era sempre bastante fria, envolta na neblina de um ambiente formado pelas consequências da ocupação mista de alemães e de mineiros, em sua maioria. Por alguma razão, parece-me que, aos poucos, as pessoas dali foram alimentando a pretensão de serem herdeiros da Coroa. Assim, Petrópolis não perdeu, ainda hoje, o ranço de se julgar A Cidade Imperial, e por isso não se preocupa em resolver nem os problemas de saneamento, nem aqueles gerados pelo alto índice de preconceitos e de arrogância, que a caracterizam. Em Petrópolis, conformar-me com o que via, sem denunciar ou buscar transformar, seria ter-me tornado mais uma pessoa medíocre e pretensiosa.
Morei no Rio de Janeiro que, próximo ao mar, deveria garantir horizontes amplos e esperança renovada a seus habitantes. E tem isso, em parte, a Cidade Maravilhosa. Mas, cheguei tarde demais, talvez, e tive que conviver, dolorosamente, com o descaso das camadas sociais privilegiadas, moradores dos bairros considerados nobres, que diariamente usufruem da servilidade que impõem a trabalhadores, cujo valor humano e social não reconhecem. O Rio de Janeiro é uma escola de superficialidade, encravada numa paisagem magnífica, cujas benesses são propriedade de uma casta. Ficar no Rio de Janeiro teria me exigido aprender a rir e calar-me, mesmo quando meus olhos quisessem chorar.
Hoje, vivo distante do Brasil. Assisto, de longe, o desmonte de meu país de nascimento, já tendo uma segunda nacionalidade herdada, que me garante uma velhice mais coerente com o que desejo ser e com o que sigo buscando ir formando em mim, até o fim de meus dias.
Para me comunicar com os amigos e conhecidos de terras distantes, acostumei-me a frequentar as redes sociais, na esperança de que, em alguma hora surjam, ali, as boas notícias com que sonho e pelas quais aguardo a cada momento, ansiosamente. Mesmo correndo o risco de que, com elas, alguém possa me provar que fui pessimista demais. Ah, como eu desejaria me penitenciar por ter (quem sabe, apressada ou levianamente?) feito avaliações tão severas, indevidamente!
No entanto, o que constato, pelas notícias diárias, é o extravazamento das valas negras e a expansão dos terrenos desérticos morais, transformando o país num enorme terreno estéril, geográfica e emocionalmente, onde não existe nenhum respeito à vida, nenhum pudor em fazer do egoísmo uma atitude banal, nenhum comprometimento com a realidade, nenhuma valorização do cuidado, da compaixão, da solidariedade.
Pergunto-me, muitas vezes, o que ainda sigo defendendo, se já nem mais tenho a ingenuidade de pensar os seres humanos como uma espécie em desenvolvimento?
Parece-me que sigo escrevendo, aos jorros, para não sucumbir. Para defender minha saúde psíquica e minha capacidade de sentir. No amontoado de inverdades, mentiras, declarações e denúncias criminosas, crueldades, perversões, descaso e frieza em que vivemos, o risco maior é virarmos robôs, zumbis, criaturas fakes, como essas que nos vêm tentando aprisionar.
Quando a gente se encolhe, se acomoda e se esconde, definha. E nosso verdadeiro self, nosso eu mais profundo, centro energético de nossa capacidade de criar e de transformar, vai-se desidratando e sucumbe. Assim, para não lidarmos com a indignação, com o medo, com a insegurança, podemos acabar impedidos de amar, porque somos – cada um de nós – um universo, onde esses campos sombrios existem e precisam ser identificados, para ser integrados e, só assim, fazer parte do fortalecimento necessário à existência plena.
Este momento era pra ser uma reflexão compartilhada, apenas. Acabou por se tornar um alerta. Se for possível, ouçam-no.