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Reflexão de um idoso padre diocesano durante o bloqueio total da pandemia. 21.05.2020

Por uma Igreja arquidiocesana dentro do Sonho Eclesial do Papa Francisco na exortação Querida Amazônia.

Prezados colegas irmãos no presbitério,

Durante este recolhimento necessário em casa, entre outras atividades procurei alimentar minha espiritualidade, pensando também partilhar com vocês o que tenho refletido sobre nossa presença eclesial na sociedade arquidiocesana. Como líderes religiosos, somos formadores de opinião em nossas paróquias, comunidades e também na sociedade em geral.

Uma primeira questão que me chegou na meditação: como a sociedade nos vê, sendo nós presbíteros católicos? Somos respeitados por sermos padres, ou pelo que testemunhamos diante da realidade social, política e religiosa? Que diferença faz o povo entre nós padres e os vários pastores das igrejas cristãs?

Diante do Projeto de Jesus Cristo, que tipo de apóstolos somos nós aqui nesta Amazônia? Jesus foi e é profeta, sacerdote e pastor. Em Jesus, pelo sacramento que recebemos, somos desafiados a encarnar a tríplice missão dele. Para realizar isso, temos que conhecer a realidade amazônica em que somos e vivemos. Aqui se nos apresenta o chamamento do Papa Francisco em várias ocasiões.

Além da encíclica Laudato Si completando seis anos, temos o Sínodo da Amazônia, que nos convoca a buscarmos “novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral”. Logo no primeiro capítulo: “Da escuta à conversão integral”, nos garante que é preciso “ouvir a Amazônia, no espírito próprio de discípulo e à luz da Palavra de Deus e da tradição, isto leva-nos a uma profunda conversão de nossos planos e estruturas a Cristo e seu Evangelho”. E na exortação Querida Amazônia, o Papa Francisco fala “A autêntica opção pelos mais pobres e abandonados, ao mesmo tempo em que nos impele a libertá-los da miséria material e defender seus direitos, implica propor-lhes a amizade com o Senhor que os promove e dignifica”. QA. Pág. 42

Entendo que nossa geração de padres amazônidas somos desafiados a por em prática esses compromissos evangelizadores no espírito do que comprometem, tanto o Papa Francisco (Laudato Si e Querida Amazônia), como o documento final do Sínodo da Amazônia. O Povo de Deus necessita de nós padres, como educadores na fé em Jesus libertador, nessa dupla linha orientadora. Afinal somos da e na Amazônia e por isso, urge que comecemos uma conversão nesse rumo. Somos servos do povo de Deus. Mas afinal, que tipo de povo de Deus temos?

Nesse período de retiro obrigatório por causa do coronavirus, estou lendo um livro que gostaria que todos nossos colegas possam ler, se já não leram. Trata-se do livro Novas Fronteiras da Igreja, o futuro de um povo a caminho. Leonardo Boff, 2004.

Pensando em Povo de Deus partilho com vocês um trecho do livro pág.48 quando Leonardo escreve:

“Toda a concepção do Vaticano II acerca do Povo de Deus é perpassada pela exigência de participação e da comunhão de todos os fiéis no serviço profético, sacerdotal e real de Cristo (cf. LG 10-12), que se traduz na inserção ativa nos vários serviços eclesiais, nos carismas dados para utilidade comum. Esse Povo de Deus se concretiza nas igrejas particulares e nas próprias culturas, cujos valores e costumes são assumidos e purificados (LO.13). A despeito das diferenças, “reina contudo entre todos verdadeira igualdade quanto à dignidade e ação comum a todos os fiéis na edificação do Corpo de Cristo”. LG 32

Para o Vaticano II Povo de Deus somente se realiza quando se der essa historização de comunidades, fruto da encarnação da fé no meio das características de cada povo. Não se trata de um conceito formal e destituído de materialidade histórica. Ele quer ser uma designação real e não metafórica da Igreja; mas para ser uma designação real, precisa existir na realidade histórica de um povo que, pelo modo de se organizar na sua fé cristã, emerja como povo de Deus…

Da exposição feita, ficou claro o seguinte: para se falar com propriedade de povo e também de Povo de Deus, há uma exigência de participação consciente e de organização comunitária ao redor de um projeto. No caso de Povo de Deus, diz enfaticamente a Lumen Gentium: “A meta é o Reino de Deus, iniciado pelo próprio Deus na terra, a ser estendido mais e mais até que no fim dos tempos seja consumado por ele próprio” n.9. Até aqui Leonardo Boff.

Prossegui refletindo que, não basta nos satisfazer em ministrar os sacramentos e a catequese de iniciação, lá onde somos párocos, ou vigários. Precisamos construir comunidades com participação consciente ao redor de um projeto, inspirado no projeto de Jesus como ele iniciou na Galileia, andando no meio dos pobres, curando enfermos, expulsando demônios e anunciando boas notícias. Isto, a partir das culturas e desafios dos povos da Amazônia.

Nossa função de padres não pode se reduzir a presidir missa, e realizar sacramentos e festas de padroeiros. Primeiro precisamos construir comunidades de pessoas participantes efetivas nos projetos proféticos e libertadores. Esse isolamento social por causa da pandemia, que não sabemos ainda quando poderemos voltar a trânsito livre, é um momento adequado para repensarmos como vamos reiniciar nossa pastoral comunitária após a quarentena. Hoje não temos procissão, não temos missa comunitária, não temos festa de padroeiro/a, não tempos devoções diversas. Muitos católicos sentem falta da santa missa, o que é bom. Mas será que sentem falta de organizar sua comunidade para lutar pelo saneamento básico, em apoio aos moradores de ocupações por não terem moradia própria, ou lutar em defesa do lago do Maicá, da praia do Maracanã?  Nós padres, somos os continuadores do projeto de Jesus de Nazaré. Será que o povo nos reconhece assim? Para onde caminha a pastoral em nossa arquidiocese?

Concluo a reflexão com uma trecho do Papa em Querida Amazônia: “Esta enculturação social e espiritual atendendo à situação de pobreza e abandono de tantos habitantes da Amazônia, deverá necessariamente ter um timbre marcadamente social e caracterizar-se por uma defesa firme dos direitos humanos, fazendo resplandecer o rosto de Cristo que quis com ternura especial, identificar-se com os mais frágeis e pobres”.

Partilho com vocês na esperança que leiam e reflitam tranquilamente.

Seu irmão no presbitério, padre Edilberto Sena.

Obs: O autor é membro da organização da Caravana 2016
Coordenador da Comissão Justiça e Paz da Diocese de Santarém (PA) e membro do Movimento Tapajós Vivo.
Autor dos livros: Amazônia: o que será amanhã? (Vol I e II) e Uma revolução que ainda não aconteceu.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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