Rômulo Vieira 1 de junho de 2020

Oh nuvens que passam mostrando-nos este azul infinito que me encaminha a minha juventude.

Como tamanha beleza fica suspensa sobre as nossas cabeças e cabem dentro do nosso coração? Fazendo-nos sonhar, sonhos intermináveis (que bom continuamos sonhando). Lembrando momentos que realmente são inesquecíveis e nos deram tanto alegria, tantas esperanças, quão felizes aqueles momentos.

Lembro da minha primeira bicicleta, presente de uma tia, por ter “passado” no quarto ano primário. Que emoção pela conclusão do primário e por aquele presente “sonhado com  tanta força”. Obrigado tia Usa, jamais me esquecerei daquele presente tão grande e importante para mim. Uma criança que adorava voar  e  se divertia muito em correr em disparada, embora nunca decolasse, continuando sempre com os pés no chão. Mas que delícia correr, correr, livre, livre. Sentindo “o vento no peito aberto” sem grandes preocupações, além daquela de retornar para casa e saborear as delícias produzidas, ora por mamãe, ora por vovó.

Como era deliciosa a galinha torrada da vovó. Que coisa maravilhosa aquela farinha de castanha. Como esquecer daquelas deliciosas rodadas de tanajura.  Passávamos o dia todo na caça da tanajura, brigávamos até na cata  em cima do formigueiro, ou disputávamos em verdadeiras olimpíadas correndo atrás da tanajura gritando insistentemente: “cai cai  tanajura tua mãe tem gordura”. Que maravilha aquela “reca” de criança disputando as tanajuras. Mas à tardinha vinha a recompensa: a rodada de tanajura de nossa avó. Saudades vovó Antônia…

Outra grande lembrança me vem nesse momento: as grandes caçadas que realizávamos. Passávamos o dia quase todo caçando: preiás, cambonges, nambus, etc. E tudo isso era no “pega”, correndo atrás da vítima, até cansá-la. Chegávamos à época a capturar uma coruja na correria atrás da coitada. Ela voava de um lado para outro, mas nós não a deixávamos sossegada. Forçamos até que a triste ave não conseguiu mais voar.  Mas não a comemos, queríamos cria-la, em cativeiro, mas não foi possível evidentemente. Me perdoe coruja nós éramos  crianças e não tínhamos o discernimento pertinente, apenas queríamos nos divertir. Que diversão!

Após as longas caçadas quase sempre terminávamos em um delicioso banho de rio. Oh  quantas vezes mergulhamos nas águas do Tapacurá. Era uma festa, tínhamos que aliviar todo o estresse das grandes corridas das caçadas. E o rio era perfeito. Mergulhávamos, apostando as vezes quem demorava mais imerso e nesse momento vinha a grande sabotagem no grupo. Um coitado era escolhido como vítima e todos mergulhávamos e logo em seguida  emergíamos deixando a vítima imersa. Quando o escolhido para vítima ia levantando-se, todos os outros mergulhava novamente. E isso durava até o “abestado” entender que a vítima daquele dia era ele. Era uma  festa essa trapaça.

Nessas jornadas dos banhos nos rios uma coisa nos perturbava muito. O banho no rio era extremamente proibido pelos nossos pais, mas nós tentávamos esconder nossa imprudência. A maior preocupação era enxugar os cabelos, ficávamos horas e horas  esvoaçando os cabelos, mas invariavelmente quando chegávamos em casa era umas palmadas ou “sandalhadas e as vezes umas “tabicadas”  (não ficamos traumatizados com isso), ríamos adoidado após a surra e ficávamos encucados: como mamãe descobre que estivemos no rio nossos cabelos não estavam enxutos?. Quanta inocência… mamãe descobria pela nossa pele que nos traia sempre. A pele além de, às vezes, ainda enrugadas, apresentava uma característica  própria, uma cor acinzentada, indiscutível. E agente preocupado só em enxugar o cabelo. Ô coitados…

Uma coisa que ainda hoje me faz rir foi a compra de um objeto de desejo. Eu era louco por uma carteira de cédula de dinheiro. Nem pensava tanto no dinheiro, apreciava mesmo era aquele instrumento tão importante e significativo para os “grandes homens”. Então comecei a “juntar dinheiro” e vendo aquela demora para consolidar o valor de compra papai resolveu me dá um dinheirinho extra. Pronto estava completo o valor para adquirir a carteira. Comprei-a, mas fiquei sem nenhum dinheiro para colocar na dita cuja, mas estava satisfeito: eu tinha uma carteira, poderia mostrar a todos e até usar como instrumento na conquista de uma namorada… Nossa  quanta  esperança. Mas ainda hoje gosto muito de usar uma carteira. E faço um esforço danado para que ela tenha sempre “algum trocado” dentro.

No contexto de “gastos exagerados” também realizei  um outro gasto inusitado: fiz algumas tarefas que papai me considerou merecedor de um salário e no meu primeiro pagamento comprei um outro sonho de consumo: comprei uma caneta Scheffer. Essa caneta era um verdadeiro sonho e atingi-lo seria demais. Eu amava aquela caneta, achava-a linda, elegante, poderosa, escrita fácil e própria para grandes personalidades (na minha modesta concepção). Pronto comprei a caneta, foi-se todo o salário daquele mês. Estava eu com uma belíssima caneta e com uma carteira. Liso mas feliz. Que peninha… (trocadilho desgraçado a caneta nem era de pena).

Oh nuvens brancas que passam, vocês me levaram a infância e aqueles momentos de inocência, mas também me levaram aos sonhos. Lembranças  não mais  só de traquinices, mas daqueles sonhos que nos faziam radiantes de felicidades, mas que nem sempre terminava “numa boa”. Machucavam, maltratavam,  “espremia”  o coração. A “maivada” paixão. Como doía. O amor vem com o amadurecimento, mas a paixão dói muito desde a infância e como dói.

Lembro da minha  primeira paixão, ainda garoto, por uma jovem que viera do Rio de Janeiro passar as férias na casa de umas primas na minha querida São Bento. Nossa como sofri e o pior é que ela se relacionava muito bem (nunca soubemos se rolou um namoro) com o meu irmão mais velho. Eita que sofrimento danado. Cheguei a escrever uma carta (na verdade uma declaração de amor) para ela, mas como não sabia ir ao correio e não sabia nem ao menos  o endereço dela, coloquei a carta debaixo de meu colchão. Ah não deu outra: minha prima achou essa carta, aí a gozação foi pior de quer a paixão. Que tristeza, que maldade fizeram com o apaixonado.

Oh nuvens brancas que passam, por que me trazes essas lembranças? Já adolescente conheci a primeira namorada, aquela do primeiro beijo. Que momento sublime aquele primeiro beijo, acho que literalmente fui às nuvens, por certo é por isso que esse céu em seu azul lindíssimo me traz essa lembrança. Eu flutuei, eu me senti pleno,  um conforto enorme, uma paz impressionante, um sonho, um momento inesquecível. Se me permitem apresento a consequência desse primeiro beijo:

Primeiro beijo

Amor eu jamais esquecerei
Aquela bela noite  que junto a ti passei
Nós estávamos sentados tão juntinhos
Quando a chuva caía devagarinho
Você de frio tremeu
Mas logo o frio passou
Quando uni meus lábios aos teus
Por isso eu te digo
Que jamais esquecerei
Aquela bela noite
Que junto a ti passei
Pois foi naquela noite chuvosa
Que pela primeira vez eu te beijei

O tempo é infalível, nada volta, tudo caminha para frente e como é majestosa essa vida. Se não tivéssemos passado por tantas emoções, das mais diversas, não chegaríamos a nossa maturidade. E essa maturidade também é conduzida por estas nuvens brancas que passam, por esse azul  maravilhoso. Sonhos que vivemos e precisamos sonhar. Nuvens que passam e precisam passar. Vida que segue e precisa seguir.  Nesses momentos sonhamos com dias de paz, saúde,  compreensão, dias de  amor e graças as experiências vividas, hoje podemos dizer: obrigado meu Deus por tudo.

Obs: O autor, Prof. Dr. Rômulo José Vieira é Acadêmico da Academia de Ciências do Piauí; Acadêmico da Academia de Medicina Veterinária do Piauí; Acadêmico correspondente da Academia de Medicina Veterinária do Ceará; Acadêmico correspondente da Academia Pernambucana de Medicina Veterinária.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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