Livro aberto, primeira página depois da capa, caneta na mão, e era caneta tinteiro, a gente, automaticamente, escrevia – Esse livro pertence ao aluno da 1ª série C, – e, então, se sapecava o nome, e, embaixo, o da cidade e a data. Esse era o costume imperante. Livro algum, da época, escapava do registro destacado, como se fosse uma conduta compulsória ditada em lei. Eu vivi esse tempo. Posso, assim, testemunhar. É verdade que a minha palavra não se faz acompanhar de nenhuma prova. Todos os livros, que usei, no primário, no ginásio e no clássico, não sobreviveram às intempéries do tempo, na mudança de série e outras circunstâncias, passando a ser algo insignificante – ledo engano – que a nossa indiferença conduzia ao lixo. Contudo, os da minha idade, devem se recordar, porque era dessa forma que agiam.

Pois bem. Ainda hoje não perdi o costume de fincar na primeira página, depois da capa, idêntico registro, alterando apenas a redação. Não uso mais o verbo pertencer, nem faço alusão expressa ao livro. A minha atuação limita-se a assentar o meu nome, e, em baixo, o lugar onde o livro foi adquirido e a respectiva data. Se, em um ou outro, a anotação, como declinado, não é efetuada, é por força de mero esquecimento. No geral, se faz presente. Em uns, inclusive, de décadas atrás, ainda tinha o cuidado de usar o carimbo de meu nome e da minha condição funcional, e, em outros, o carimbo com o endereço da Seção Judiciária que integrava à época.

Consigno a façanha de ter em mãos todas as coleções, de capa dura, efetuadas a partir do ano de 1970, – e não foi uma, nem duas, nem três, mas muitas e muitas -, ficando surpreso quando tenho um e outro em mãos, ao verificar o cuidado de assentar no livro a marca de minha propriedade, anotações que, nos dias atuais, quando com elas me deparo, brota uma leve frustração na conclusão de que hoje já me falta tempo para o carimbo, por exemplo, embora não deixe de fincar o meu nome, local e data. Daí, as observações de verdades vindo à tona. Uma delas, a paciência/resignação do livro, que, muitas vezes, leva décadas e décadas para ser devorado, digo, para ser lido, sem azedar minha cabeça com qualquer reclamação. Outra, a alteração da letra, a evidenciar que a assinatura, aos poucos, ganha um contorno diferente, sem perder a mais nova a semelhança com a mais antiga.

Nessa minha relação com o livro, revelo um hábito há muito adquirido: não sei ler sem ter em mãos uma caneta, grifando palavras que me despertam a atenção, ou frases que considero importante destacá-las. Antes, o fazia com a caneta. Depois, com caneta de ponta porosa. Hoje, com caneta marca texto, deixando o amarelo em cada página. O hábito é velho: a caneta é que vem variando, de acordo com as novidades lançadas no mercado.

Alberto Carvalho não fazia nenhum risco em seus livros. Livro não é boi para ser ferrado. Dizia. O livro, lido e relido, permanecia intacto. Nem seu nome escrevia. Agia com sagrado respeito, o que nunca o fiz, colocando-o a minha inteira e exclusiva disposição, e, mais do que isso, a anotar, quando se trata de ficção, do dia em que comecei a lê-lo e do dia em que a leitura se encerrou. Acrescento, por fim, outra revelação desse relacionamento: o depoimento do final da leitura, na fixação da  impressão positiva ou negativa, e, assim, torno público toda minha convivência com o livro, admitindo a dificuldade de manusear um  emprestado, me controlando para não sair riscando termos e trechos que me agradam.

Por fim, trago ao centro do gramado o time de futebol da paixão de cada um. Explico: nada se compara ao livro e ao time, como algo que o coração comporta desde que se vai adquirindo hábitos, sombra a acompanhar o homem dia a dia. O livro, pelo que mundo que abre. O time, pela alegria gerada quando ganha e a dor de cotovelo quando perde. Só um ponto em que os dois não se combinam ou, melhor dizendo, os dois são egoístas, exigindo atenção única e específica. O livro, porque não pode ser lido quando a televisão passa um jogo. O time, porque, ao atuar, dispensa do torcedor o livro. Não tento uni-los. Cada um por si e Deus por nós todos . (23 de novembro de 2019.)

Obs: Publicado no Correio de Sergipe
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras
  

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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