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1 – SOLENIDADE DA SANTÍSSIMA TRINDADE
João 3,17-18

Mais que um “mistério” incompreensível,  “A SANTÍSSIMA TRINDADE É A MELHOR COMUNIDADE” (Intereclesial das CEBs, Trindade – GO (1986). A solenidade que hoje celebramos é um convite a nos espelharmos em Deus. Não tanto, como o Infinito, o Absoluto, o Eterno, 0 Onipotente… mas como o Encontro mais perfeito de Pessoas, autônomas e livres, que se amam a ponto de  comungarem do mesmo Ser,  da mesma Vida sem fim, o Pai e o Filho, na amorosidade do Espírito Santo, um só Deus… Melhor ainda: saber que se chegam para junto de nós e nos convidam a participar da sua intimidade, da sua amorosa convivência. É algo maravilhoso!

E a consequência dessa experiência poderá ser, de repente, seu transbordamento, sua multiplicação, em todos os espaços e ambientes onde convivemos com outras pessoas: uma busca permanente de comunhão, de harmonia; o prazer do encontro, o gosto da amizade, a força da união, os milagres da solidariedade.

Eis aí a essência da experiência cristã, que celebramos, todo domingo: nossa comunhão entre nós, pessoas humanas, com as Três Pessoas Divinas, sonhando com um mundo de harmonia e paz!

 E, claro, olhando pras Famílias, isoladas em suas casas por cuidado consigo mesmas e com sua Vizinhança,  criando jeitos tornar os dias de isolamento menos enfadonhos e mais alegres…. Olhando pro “Armazém do Campo”, vendo toda aquela gente solidária, oferecendo três refeições por dia, banho, material de limpeza e higiene para as pessoas mais precisadas… Olhando @s Agentes de Saúde unid@s numa luta sem trégua, correndo todos os riscos para salvar as vidas ameaçadas… Olhando para as Torcidas Organizadas, o MTST, o Povo sem Medo, se manifestando nas ruas, de modo responsável, gritando por “Democracia!”, “Direitos!”, “Saúde!”, “Vida para o Povo Negro!”, “Vida para os Povos Nativos!”, “Fim do Racismo e do Fascismo!”…

Olhando pra tudo isso, nós  vemos a “Glória de Deus brilhando” e só podemos dar “glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo”, porque onde brilha o AMOR, a SOLIDARIEDADE, aí brilha a Essência Divina, a verdadeira GLÓRIA da Santíssima Trindade!

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Hoje, é dia de se perguntar: como vai minha convivência em família, na vizinhança, no trabalho?…

2 – DOMINGO DA COMPAIXÃO

Mateus 9,36-10,8

O Evangelho, o Projeto de Jesus é um “samba de uma nota só”: a ternura de um coração que se compadece da dor, sob todas as suas formas, e anda à procura de gente que, por sua vez, se compadeça também, porque a dor é tanta e são poucos os que lhe são realmente sensíveis… Somente essa compaixão será capaz de redimir o mundo de todas as suas mazelas, encontrando, com a criatividade própria do amor, os jeitos e meios de libertar as pessoas e as sociedades dos males que as infelicitam. Ser cristão é essencialmente sentir-se chamado a viver a compaixão do coração de Cristo. Esta é a essência do discipulado e da missão. Oxalá nossa liturgia celebre esta experiência semanal da compaixão, e a ternura do coração de Jesus seja a fonte primeira de inspiração dos nossos cantos, como parece ter sido a do Cântico de Maria, sua Mãe…

 Essas duas semanas passadas, poderíamos dizer, foram um tempo forte de compaixão. Toda a Humanidade se irmanou num sentimento só de compaixão e protesto diante do brutal assassinato de GEORGE FLOYD… Todo o Brasil se compadeceu e gritou diante da morte absurda do menino MIGUEL!… Tanto num caso, como no outro, uma cruz horrenda que a Humanidade carrega: o RACISMO!

Racismo entranhado, mais ou menos consciente, no coração das pessoas, na cultura dos povos e nas estruturas das sociedades. Anteontem foi Zumbi dos Palmares, ontem foi Luther King, hoje acaba de ser George e Miguel. Aliás, nas favelas das grandes cidades do Brasil, é todo dia. E as polícias, que existem para garantir o direito e a vida, têm sido, cotidianamente, instrumento de dizimação e de morte, a serviço de “elites” dominantes, acostumadas ao privilégio e à exclusão, obstinadas em seus preconceitos e em seu egoísmo, que não raro, descamba para o ódio. Por conta dessas monstruosidades, sofrem pessoas, famílias, comunidades e povos.

 Mais que nunca, é a hora da COMPAIXÃO! Ser discípul@ de Jesus, aqui e agora, é sentir-se enviad@ a toda essa gente que sofre… Unir-se à sua dor e indignação, aderir à sua mobilização, participar da sua organização e da sua luta por reverter esse cenário de horrores, em nome da Igualdade e da Dignidade, do Respeito às diferenças, da Justiça, da Harmonia e da PAZ!

Mais que nunca é tempo de suplicar ao Pai e fazer sua parte, para que o Reino de Deus “venha”, e sua “vontade” seja feita “assim na terra como no céu”!

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Junho, mês dos Santos

«Felizes os que choram, porque serão consolados!»

O mundo propõe-nos o contrário: o entretenimento, o prazer, a distração, o divertimento. E diz-nos que isto é que torna boa a vida. O mundano ignora, olha para o lado, quando há problemas de doença ou aflição na família ou ao seu redor. O mundo não quer chorar: prefere ignorar as situações dolorosas, cobri-las, escondê-las. (…) A pessoa que, vendo as coisas como realmente estão, se deixa trespassar pela aflição e chora no seu coração, é capaz de alcançar as profundezas da vida e ser autenticamente feliz. Esta pessoa é consolada, mas com a consolação de Jesus e não com a do mundo. Assim pode ter a coragem de compartilhar o sofrimento alheio, e deixa de fugir das situações dolorosas. Desta forma, descobre que a vida tem sentido socorrendo o outro na sua aflição, compreendendo a angústia alheia, aliviando os outros. Esta pessoa sente que o outro é carne da sua carne, não teme aproximar-se até tocar a sua ferida, compadece-se até sentir que as distâncias são superadas. Assim, é possível acolher aquela exortação de São Paulo: «Chorai com os que choram» (Rm 12,15) Saber chorar com os outros: isto é santidade.

(Papa Francisco, Ex. Ap. Alegrai-vos e exultai, 75-76)

Um subsídio para a meditação deste Domingo da Compaixão

Caso Miguel: Por que negar o racismo estrutural deixa, nós brancos, em lugar de conforto e privilégio?, por Érika Puppim

Quando se fala em racismo estrutural é preciso entender que os personagens das histórias não estão ali, com suas cores de pele, de forma aleatória, mas que existe toda uma história de desigualdade, exploração e violência racial por trás.

Por Coletivo MP

12/06/2020

do Coletivo Transforma MP

Caso Miguel: Por que negar o racismo estrutural deixa, nós brancos, em lugar de conforto e privilégio?

por Érika Puppim

O caso do menino Miguel, de apenas 5 anos, fez sangrar a ferida do racismo à brasileira, de herança escravocrata. A sordidez do caso expõe a mecânica dessa estrutura silenciosa e bruta. Patroa branca moradora de prédio de luxo; empregada doméstica negra trabalhando durante a pandemia, precisa levar o filho para o trabalho. Patroa branca fazendo as unhas, manicure “delivery” enquanto a empregada passeia com o “pet”. Eis a cena.

Quando o pequeno Miguel pede por sua mãe Mirtes, torna-se um problema para a patroa e suas unhas. Como se resolve o problema do racismo no Brasil? Fechando os olhos para ele. De certo modo, foi o que ocorreu. A solução foi enfiar a criança no elevador apertar qualquer botão e pronto (!).

Apesar de ser gritante a desumanização do menino Miguel, que por ser “filho da empregada”, foi simplesmente colocado sozinho no elevador como se “encomenda” fosse, o discurso que vemos de pessoas brancas, especialmente dos setores conservadores, é de que “foi uma fatalidade, não tem nada a ver com racismo!” Como se fosse plausível imaginar que esta senhora colocaria sozinho no elevador o filho de 5 anos de uma amiga, da vizinha, quiçá o próprio filho.

O Sistema de Justiça Criminal, tão suave com a patroa, lhe liberou após pagar R$20.000 de fiança, porém, caso o contrário ocorresse – ainda que soe quase impossível tamanho descaso de uma babá, podemos imaginar o tratamento penal duríssimo que esta mulher negra receberia.

Ao que parece, para muitos de nós brancos, é tudo coincidência nesse cenário, assim como também foi uma mera coincidência o fato da primeira morte de Coronavírus registrada no RJ,  ter sido a de Dona Cleonice Gonçalves[1], empregada doméstica que estava trabalhando na casa da patroa que voltara infectada de uma temporada na Europa. Ela não teve folga e hoje não tem mais vida.

Quando se fala em racismo estrutural é preciso entender que os personagens das histórias não estão ali, com suas cores de pele, de forma aleatória, mas que existe toda uma história de desigualdade, exploração e violência racial por trás. Esse conceito já vinha sendo trabalhado pela filósofa, historiadora e precursora do feminismo negro no Brasil, Lélia Gonzalez, desde a década de 80, quando conclamou a construção de um debate nacional sobre o racismo, a partir de sua dimensão estrutural e das suas práticas enquanto modo de exclusão da comunidade negra[2].

Há ainda quem insista em negar o racismo afirmando ser desnecessário falar sobre isso (como se desta forma o racismo “sumisse” num passe de mágica), empregando bordões rasos: “somos todos humanos”. Para estes ainda é preciso dizer o óbvio: sim, somos todos iguais biologicamente, mas o conceito de raça é um conceito social, construído historicamente por cada sociedade, sendo o racismo excludente estruturante na formação da sociedade brasileira.

Percebemos o reflexo dessa estrutura racial quando olhamos para as cores das crianças, adolescentes ou adultos mortos pelas forças de segurança do Estado. Notamos a “coincidência” – apenas alguns exemplos: o menino João Pedro em São Gonçalo/RJ; o adolescente Dyogo Costa Xavier de Brito, em Niterói/RJ, que saía de casa com sua mochila contendo suas chuteiras; e o músico Evaldo dos Santos Rosa, em Guadalupe/RJ, que estava indo com sua família para um chá de bebê, vindo a ser morto após seu veículo ser alvejado com 80 tiros.

Nesses e tantos outros casos a “coincidência” é que as vítimas são negras e suas vidas são desvaloradas como “seres matáveis”, habitantes da “zona de não-ser” como nos ensina o filósofo Frantz Fanon[3], não sendo dignas de vida e nem mesmo da tutela penal, visto que os agentes estatais, na maior parte das vezes, não chegam a ser responsabilizados penalmente.

É preciso ainda lembrar que boa parte dos agentes policiais são também negros, recrutados em parcelas vulneráveis da sociedade, como agentes desvalorizados e descartáveis pelo Estado, para executar como ponta de lança sua política de segurança pública baseada no enfrentamento bélico e no extermínio, na medida em que as constantes mortes de pessoas negras são “socialmente aceitáveis” e vistas como um “mero dano colateral”[4], em uma verdadeira necropolítica, na terminologia do renomado intelectual camaronês Achille Mbembe[5].

Não é de se crer que a pena e a prisão possam ser a panaceia para os males do mundo, notadamente para o racismo, mas faz parte dessa necropolítica a desumanização da vítima negra, a ponto desta não ser considerada ser humano em sua integralidade, nem mesmo merecedora da proteção do Direito Penal – mas ser apenas o alvo deste.

Assim, nós brancos, assistimos impávidos e serenos, as estas e a tantas “coincidências” em nossa sociedade racista, tal como o fato de termos tão poucos professores universitários negros, raros juízes e promotores negros, pouca representatividade negra na mídia, no jornalismo, na política e em altos cargos executivo-empresariais, mesmo tendo pouco mais de 50% da população negra[6].

Muitos de nós não queremos enxergar a disparidade racial em lugares de destaque ou poder, as quais expõem os privilégios da nossa branquitude e da nossa desigualdade vincada predominantemente pela cor da pele. E assim, o conservadorismo branco pretende conservar a sociedade tal como ela hoje é: racista, desigual e violenta.

Outro argumento comum no negaciocismo do racismo é o mito da “democracia racial[7]”, pelo fato de que não tivemos um racismo segregacionista explícito, legalmente instituído como nos EUA. No entanto, temos uma história própria de racismo excludente à brasileira, calcada no colonialismo, na miscigenação decorrente dos estupros coloniais e na ideologia do “branqueamento da população[8]”. Ademais, o Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão, em 1888, sem que nenhuma política pública tenha sido implementada para incluir a população negra em um projeto efetivo de cidadania e democracia, em sentido material.

Assim, em razão desse desejo de nos manter em um lugar cômodo e confortável, no qual não enxergamos o racismo, é que vemos tanta indignação com a política afirmativa de cotas raciais, afinal, quando uma parcela de vagas em universidades públicas ou em concursos públicos se destina a corrigir uma desigualdade histórica, se busca uma sociedade mais justa e igualitária, mas para a branquitude é apenas a perda de um privilégio.

Portanto, sendo o racismo estrutural um problema que afeta a toda sociedade, retomo mais uma vez as lições de Lélia Gonzalez: “Enquanto a questão negra não for assumida pela sociedade brasileira como um todo: negros, brancos e nós todos juntos refletirmos, avaliarmos, desenvolvermos uma práxis de conscientização da questão da discriminação racial nesse país, vai ser muito difícil no Brasil, chegar ao ponto de efetivamente ser uma democracia racial.”[9]

Um exemplo recente de como as pessoas brancas podem de fato colaborar na luta antirracista foi a corrente que mulheres brancas fizeram, formando uma barreira entre os manifestantes negros e a polícia, durante os protestos contra o assassinato pela polícia de Breonna Taylor, uma jovem negra profissional de saúde em Louisville, EUA[10], usufruindo assim de seu privilégio branco para apoiar e proteger a manifestação antirracista.

Nessa esteira, cabe especialmente a nós, brancos, refletir sobre a parcela que nos cabe nesse latifúndio de dor, extermínio e opressão, bem como sobre o que temos feito e deixado de fazer para perpetuação dessa desigualdade racial. Para além de reconhecer o racismo bem diante dos nossos olhos, é urgente rever nossos privilégios e agir de fato, para que um dia, quem sabe, possamos chegar a uma sociedade menos racista, menos injusta e violenta e assim, mais humana e digna para todos.

Érika Puppim – Promotora de Justiça do MPRJ e integrante do Coletivo Transforma MP

[1] Ver mais na coluna de Djamila Ribeiro: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/djamila-ribeiro/2020/03/domestica-idosa-que-morreu-no-rio-cuidava-da-patroa-contagiada-pelo-coronavirus.shtml

[2] https://terradedireitos.org.br/acervo/artigos/20-de-novembro-resistencia-negra-na-luta-contra-o-racismo-estrutural/22682

[3] https://www.geledes.org.br/frantz-fanon-pele-negra-mascaras-brancas-download/

[4] https://brasil.elpais.com/brasil/2018/11/11/politica/1541976646_763406.html

[5] MBEMBE, Achille. Necropolítica. 3. ed. São Paulo: n-1 edições, 2018. 80 p.

[6] https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/18282-populacao-chega-a-205-5-milhoes-com-menos-brancos-e-mais-pardos-e-pretos

[7] Artigo de Abdias do Nascimento: https://www.geledes.org.br/democracia-racial-mito-ou-realidade/

[8] https://www.geledes.org.br/a-ideologia-do-branqueamento-tudo-que-voce-precisa-saber/

[9]Entrevista concedida em 1985:  https://banhodeassento.files.wordpress.com/2011/11/depoimtuape.pdf

[10] https://www.blackenterprise.com/white-protesters-form-human-barrier-to-shield-black-protesters-from-louisville-metro-police/

Obs: REGINALDO VELOSO, presbítero leigo das CEBs (essa é minha condição eclesiástica atual, o que me deixa particularmente feliz)
– Membro do MTC (Equipe Maria Lorena – Recife)  (terminou meu “mandato” como “Assistente Regional”)

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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