Não me surpreendi com o vídeo da reunião ministerial de 22/4. Como diria o Barão de Itararé, “é de onde menos se espera, daí que não sai nada”. O circo dos horrores revelado na reunião deixa evidentes impressões digitais, não apenas do Gabinete do Ódio, mas também do Escritório do Crime, como é conhecida a ala mais perversa dos milicianos do Rio.
Bolsonaro comprovou que seu lema governamental é “Pátria armada, Brasil” ao manifestar o desejo de querer “que o povo se arme. Não dá pra segurar mais. Quero todo mundo armado, porque povo armado jamais será escravizado”. É óbvio que ele não cogita deixar o poder ao fim de seu mandato. Incentiva seus apoiadores a se transformarem numa legião de milicianos dispostos a violar todas as regras democráticas. Com tantos militares aboletados nas estruturas do governo federal, todos acumulando soldo da caserna com salário (alto) de funcionário público, alguém acredita que, caso Bolsonaro perca a reeleição em 2022, a 1º de janeiro de 2023 toda essa gente retornará resignadamente ao quartel ou ao pijama?
Na fatídica reunião ministerial nenhuma palavra de preocupação com a pandemia no Brasil, no dia em que o país somava 2.906 mortos. Ao contrário, a ministra Damares, dos “Direitos Humanos”, propôs prender governadores e prefeitos que tomarem medidas rigorosas de prevenção. E foi superada pelo “imprecionante” ministro Weintraub, da Educação: “Eu por mim botava esses vagabundos todos na cadeia, começando pelo STF”.
Ricardo Salles, o sinistro do Meio Ambiente, deu a dica de como praticar crimes na calada da noite, já que, neste momento, a imprensa só se ocupa de Covid-19. Propôs “ir passando a boiada”, ou seja, modificar as leis ambientais do Brasil para agradar latifundiários, madeireiros, garimpeiros e mineradores, e permitir invasão de terras indígenas, titulação arbitrária de áreas tomadas da União, queimadas e desmatamentos.
O ministro Álvaro, do Turismo, advogou a liberação de cassinos. O “paladino da moralidade”, o então ministro Moro, da Justiça, se omitiu diante de tantas barbaridades ditas na reunião ministerial.
Foi uma reunião imprópria para menores, na qual se ouviram 37 palavrões, dos quais 27 proferidos pela boca do presidente, que se julga acima de todos e de tudo, a ponto de chamar o governador de São Paulo de “bosta” e o do Rio de “estrume”.
Bolsonaro confirmou sua interferência em todos os sistemas oficiais de segurança no Rio, inclusive na Polícia Federal, para proteger a própria família. E enfatizou que não acata decisão do STF: “E, espero que eles não decidam, ou ele, né? Querer tomar certas medidas, porque daí nós vamos ter um… uma crise política de verdade. Eu não vou meter o rabo entre as pernas. Isso daí… zero, zero.”
Essa reunião é a crônica de uma ditadura anunciada. E ela só não virá se as forças de oposição se unirem em torno de um Projeto Brasil e lograrem mobilizar amplos setores populares em defesa da democracia. Desafio difícil em meio à pandemia que assola o país. Com o STF e o Congresso divididos, e os presidentes das três casas em cima do muro (para ver melhor os dois lados, se diz em Minas), é o Executivo que, com a anuência ou aprovação das Forças Armadas, está com a faca e o queijo nas mãos. Quem viver, sobreviverá!
Obs: Frei Betto é escritor, autor de “O diabo na corte – leitura crítica do Brasil atual” (Cortez), entre outros livros.
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