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Atuando de forma voluntária e com poder
deliberativo sobre as ações e os recursos da
saúde pública no Brasil, milhares de brasileiros
cumprem com uma das grandes diretrizes do SUS:
Sistema Único de Saúde, o controle social.

Em nossa cidade, Passo Fundo, temos um Conselho Municipal de Saúde bem atuante, que se organiza de forma autônoma e independente frente ao gestor público, a Prefeitura Municipal de Passo Fundo/Secretaria Municipal de Saúde. Em 2005, este Conselho Municipal foi reconhecido no Brasil como um modelo de gestão e controle social.

Entrevistamos Neri Gomes, um militante da área da Saúde e de políticas públicas desde o ano 1986. Atualmente, Gomes é presidente do Conselho Municipal de Saúde de Passo Fundo.

Nesta entrevista, ele relatará como surgiu seu envolvimento com as políticas de saúde, qual é o papel e a função de um Conselheiro Municipal de Saúde, qual é a realidade da Saúde em nosso município, no Estado e no país e, em que medida, o SUS corre riscos de ser extinto ou ser desidratado na sua principal função que é garantir a universalidade e o acesso à saúde a todos os brasileiros e brasileiras.

NEI ALBERTO PIES: Começaste teu ativismo ou militância política como comerciário em 1984. Entraste na vida política partidária, elegendo-se vereador por dois mandatos. Ocupaste funções de governo estadual e, mais recentemente, a função de assessoria parlamentar. Por que a política é uma atividade tão importante para ti e para todos nós?

GOMES: Penso que são os políticos que decidem as nossas vidas, eles decidem onde vamos morar, se vamos ter condições de ter formação superior, se vamos ter saúde pública e de qualidade e universal. Neste sentido, entendemos que não é só nos sindicatos que se faz a defesa dos trabalhadores e da população em geral; é no parlamento que são aprovadas as leis e é o executivo que implementa as ações elaboradas discutidas e a aprovadas

NEI ALBERTO PIES:Como, quando e porque o Senhor passou a atuar em defesa de políticas públicas, mas em especial, o SUS, a partir de 1986?

GOMES: Antes de 1988 quando foi aprovada a CF e nela aprovado as artigos 196 ao 200 que garantem uma saúde pública de qualidade e universal, e quando da aprovação da lei federal 8080/90 que é a Lei orgânica da saúde. Antes disso tudo só tinha acesso ao atendimento na saúde quem tinha a carteira de trabalho assinada e tinha a carteira amarelinha do antigo INAMPS, os demais eram atendidos com indigentes nos posto 1 do HSVP e do HC, ou tinha que ser particular, sendo obrigado a vender moves casa terrenos, a vaquinha, etc.

NEI ALBERTO PIES: Foste eleito presidente do Conselho Municipal de Saúde recentemente.  Qual é a principal função do Conselho Municipal de Saúde? Como ele é composto? O que significa seu poder deliberativo?

GOMES: Eu tive por várias vezes na coordenação do conselho e por último foi de janeiro de 2019 a dezembro de 2019. O conselho cumpre uma tarefa importante no controle social, fiscalizando as ações do gestor municipal de saúde,

NEI ALBERTO PIES: O que faz um Conselheiro Municipal de Saúde? Qual é o seu compromisso diante de sua comunidade?

GOMES: Os conselhos de saúde no Brasil são regidos pela lei federal 8142 /90 e lei municipal 2840 / 92.Os Conselhos Municipais de Saúde têm poder deliberativo na aprovação do orçamento da saúde, nos planos de aplicação com recursos estadual e federal, fiscalização das ações na saúde do gestor municipal e dos hospitais pactuados com o SUS, fiscalização em toda a rede municipal na atenção básica, e nas cobranças indevidas no atendimentos em hospitais.

NEI ALBERTO PIES: Todo município tem a obrigação legal de investir 15% do seu orçamento em Saúde Pública? Como o nosso município organizou seu Plano Municipal (de 4 anos) e o Plano Anual de Saúde em período recente? Há estatísticas que justificam os programas e os investimentos em saúde?

GOMES: A lei obriga os municípios a investirem no mínimo 15% do seu orçamento, os estados 12% e a união 10%. A maneira como esses valores serão utilizados é o que prevê o plano municipal de saúde, cujo processo de elaboração inclui a discussão nas conferências  e sua aprovação no Conselho de Saúde em cada esfera de governo.

O plano é elaborado a cada 4 anos e, anualmente, se traduz no Plano Anual de Saúde – PAS, tendo como base as ações que constam do Plano Municipal. É no PAS que se discute onde, como e quais as prioridades e as ações terão mais ou menos recursos. Essa construção e definição deve ser orientada por um diagnóstico produzido nos distritos sanitários de saúde do município. Em geral, as secretarias de saúde trabalham com dados, estatísticas que fundamentam a construção do plano, embora seja ainda muito insuficiente. Eu diria que um dos problemas do exercício do controle social hoje tem a ver com a fragilidade das análises e estatísticas de saúde produzidos pelas prefeituras.

NEI ALBERTO PIES:Passo Fundo é uma referência regional e nacional na área da Saúde, sobretudo com estruturas médicas e hospitalares de média e grande complexidade. Mas como anda a Saúde dos nossos 200 mil habitantes?

GOMES: Passo Fundo é referência na média e alta complexidade nos dois hospitais que são pactuados pra estes atendimentos, mas na atenção básica, que é responsabilidade do gestor municipal, estamos com problemas de mal atendimento e falta de profissionais médicos e equipes multiprofissionais pra que a população tenha atendimento completo e de qualidade.  Fazer a prevenção à saúde e deixar de trabalhar só o curativo. Penso que esta ação é o maior desafio.

NEI ALBERTO PIES: Sempre defendeste muito os CAIS (Centros de Atenção Integrada à Saúde) como uma forma de descentralizar o atendimento à saúde e atender especialidades. Os quatro CAIS de nossa cidade atendem, hoje, às finalidades pelas quais foram criados?

GOMES: Na verdade são 5 CAIS em nossa cidade, infelizmente não estão cumprindo sua função para a qual foram criados e os motivos são vários. A estrutura é defasada e mal conservada. Os profissionais não têm formação continuada porque o gestor não tem interesse em fazê-lo. Os atendimentos são realizados por fichas e não por demanda e os agendamentos de consultas médicas chegam a demorar até 120 dias para o primeiro atendimento.

Os médicos são contratados por hora de trabalho e atendem por ficha e temos o agravante de alguns destes profissionais não cumprirem o seu horário para a qual foram contratados.  Com isso, hoje nos CAIS são feitas os atendimentos que deveriam ser nas UBS ou ESF.

Aliás, temos só 15 equipes da estratégia de saúde da família regularizadas. Essa quantidade é a mesma de 1997. Com poucas equipes, o município deixa de receber recursos do MS e do estado,

NEI ALBERTO PIES:Por que, na sua visão, o SUS ainda não conseguiu atingir, como deveria, a promoção da saúde e ainda atua e demanda mais recursos para cura de doenças?

GOMES: Na minha opinião, são vários os motivos e um deles é a falta de gestão qualificada, além da histórica falta de recursos para investir na prevenção. Esta, em particular, é fundamental e é uma opção política que precisa ser tomada, pois se a prevenção funcionar como prevê o SUS, os hospitais, laboratórios, farmácias e os médicos que defendem o Estado mínimo não vão ganhar dinheiro com a doença.

NEI ALBERTO PIES:O governo federal propôs acabar com pequenos municípios que não tenham população ou renda compatíveis com sua autogestão. Não é também uma forma de diminuir os recursos investidos em saúde ou democratizar o acesso aos mesmos?

GOMES: São várias as MP do governo Bolsonaro. Entre elas está uma que prevê a privatização do SUS que iniciou com a nova Política Nacional de Atenção Básica – PNAB que reformula toda a estratégia de atenção básica no pais, excluindo o conceito de território. Nesta nova proposta, os agentes de saúde e os profissionais que integram a equipe não terão mais vínculos com suas unidades, podendo ser deslocados em todas as áreas.  Por exemplo: agentes de saúde podem ser chamados para fazerem trabalhos de agentes de endemias. O governo disse, recentemente,  que vai investir mais nos municípios que são agrícolas mas tem MP quer o fim dos pequenos municípios. Se isso se confirmar, onde serão atendidas as pessoas que precisam de atendimento?

NEI ALBERTO PIES:Na sua visão, está em curso a privatização da Saúde no Brasil? Nos dê exemplos de ações que apontam nesta perspectiva.

GOMES: O 1ª exemplo foi aprovação EC 95 que congelou o orçamenta da União por 30 anos. Em 2018 e 2019, o SUS já perdeu 9 bilhões e no orçamento do 2020 são 10 bilhões a menos para Saúde pública. Agora a portaria ministerial que altera o repasse dos recursos para os municípios investir na Atenção Básica que até hoje Passo Fundo recebe R$ 23,00 por habitante ano e a partir de 2020 será criada carteira social e o repasse será pelo número de pessoas cadastradas no sistema. Com esta mudança, o nosso município terá redução de mais de 1 milhões por ano, de um recurso que já é pouco.

NEI ALBERTO PIES:Qual é o interesse ou de quem o interesse de extinguir ou colocar o SUS em colapso/sufoco?

GOMES: O governo tem compromisso com os banqueiros e vai fazer o que fez com a Previdência Social: repassar para os bancos ou para iniciativa privada, através dos Planos particulares de Saúde.

NEI ALBERTO PIES: Por que o “SUS é LEGAL”?

GOMES: Você já foi no posto tomar vacina e não pagou? SUS. Come em restaurante onde há vigilância sanitária? É Responsabilidade do SUS. Já levou alguém no CAIS ou na UBS é não pagou nada? É o SUS. Tem acesso a alimentos fiscalizados pelo SUS, já reportou um acidente e recebeu ambulância?  SUS.  Hemodiálise? É exclusivo do SUS. Transplante de órgãos? Exclusivo do SUS.

NEI ALBERTO PIES: Por que, nos dias atuais, é tão importante a defesa e o fortalecimento do SUS (Sistema Único de Saúde)?

GOMES: Hoje defender o SUS é defender a democracia brasileira onde todos e todas tem acesso gratuito e universal à saúde.

NEI ALBERTO PIES:  Qual é a sua maior realização como ativista ou militante da Saúde Pública?

GOMES: Comecei minha militância em defesa da saúde publica e de qualidade antes do SUS existir 1986 na organização da 8ª Conferencia Nacional de Saúde de onde saíram todas as propostas de construção do SUS. Em 1994, no primeiro mandato de vereador, consegui aprovar emenda no orçamento municipal garantindo no mínimo 10% para investir na saúde do município. Foi o primeiro município que teve esta conquista e que contribuiu muito na melhoria da saúde na rede da atenção básica.

Obs: O autor é professor, escritor e ativista em direitos humanos, desde Passo Fundo, RS
Imagem enviada pelo autor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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