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Meus queridos amigos
Nós sabemos que fábulas são pequenas narrativas, quase sempre em versos e de onde se tira alguma lição. Um dos mais conhecidos fabulistas é La Fontaine. Mas, hoje, vamos lembrar algumas fábulas de Trilussa, que é, provavelmente, o maior fabulista moderno da Itália. Reparem como ele apresenta o gato socialista:
“Um gato, conhecido socialista, no fundo espertalhão matriculado, estava devorando um frango assado na residência de um capitalista.
Eis então que outro gato apareceu na janela que dava para a área. ‘Amigo e companheiro, também eu faço parte da classe proletária. Melhor do que ninguém conheço as tuas ideias. Estou mais que certo, pois, de que dividirás o frango em duas partes uma para cada um de nós dois’… Vá andando, resmunga o reformista — em jejum sou de fato socialista, mas, quando como, eu sou conservador.”
Há socialistas sinceros. Mesmo perseguidos, mesmo comendo brasa, continuam fiéis a seus ideais. Mas não falta quem adote o lema do gato socialista, mesmo sem a liberdade de proclamá-lo:
“Em jejum, sou, de fato, socialista, mas, quando como eu sou conservador”.
Trilussa pergunta:
“Está vendo aquele homem gorduchão que admira a própria pança e a acaricia com uma espécie de veneração? É um ricaço que, em anos dilatados vendendo gêneros adulterados conquistou uma grande posição. Vive, hoje, uma existência retraída e não quer outra vida. Que lhe importa o que vai por este mundo se lá no fundo ele a nada mais liga a não ser para a barriga. Nele a pança assumiu a direção de tudo — da cabeça ao coração. Assim, para externar um pensamento olha e apalpa a barriga com carinho para que ela o auxilie no raciocínio”.
Quando a guerra estourou eu o encontrei e disse: “Então?” Ele respondeu: “Parece que as coisas por aí vão mal. Nem sei, da minha parte vai-se temperando. Mas isto durará? Sim? Até quando? Como bom cidadão, haja o que houver amando a minha pátria com carinho,
saberei cumprir bem o meu dever. Os passos iniciais já foram dados — estou comprando arroz, azeite, vinho açúcar e feijão, café e toucinho. Toda espécie de secos e molhados.”
E assumindo um olhar sério, os olhos pousaram no teto, procurando se, afinal, não tinha esquecido alguma coisa. É que ele é assim: com toda segurança sabe unir muito bem, no mesmo ideal a Mãe Pátria e a Mae Pança. Trilussa, meu velho amigo, é raro ou a gente encontra bastante quem una a Mãe Pança e a Mãe Pátria? E ainda existe quem esqueça a Mãe Pátria para salvar a Mãe Pança?Segunda-feira, 31.1.1983
Obs: *Mais uma das crônicas escritas por Dom Helder Camara para o seu programa de rádio UM OLHAR SOBRE A CIDADE, exibido na rádio Olinda às 06h55 de 01 de abril de 1974 a 22 de abril e 1983. Está crônica está publicada no livro “Meus Queridos Amigos”, que reúne 200, das centenas de crônicas lidas por Dom Helder ao longo dos nove anos de duração do programa.
Imagem e texto enviados pelo IDHEC – Instituto Dom Helder Camara
. Ver AUTORIZAÇÃO do IDHEC no item OBRAS LITERÁRIAS.