Inicialmente foi um pedido de uma amiga por uma máscara e de outro pedido por outra amiga na sequência que, imediatamente, transformou-se em vontade, em tempo criativo e, especialmente, em forma de conexão a revelar -enquanto prossegue a quarentena – o quanto de lições diárias assimilamos, ou não, pelas vivências ou através delas caracterizadas como relações de rotina.
– Dei uma entrevista usando a máscara confeccionada por você, disse-me outra amiga.
A cada processo de confecção das máscaras de proteção, o entrelaçamento de vidas alinhavadas pelo volume de aprendizados, naquele momento sopesados e destacados na sua buliçosa capacidade transformadora ao trazer para muito perto tanto potencial, apesar do isolamento, e assim sentir ainda mais a importância da vida de cada uma dessas pessoas, suas histórias, seus desafios, suas alegrias, suas lágrimas, suas realizações.
Localizo por essa via a forma de explorar o confinamento imposto e, pelos aprendizados procurar e encontrar respostas sobre como alimentar campos relacionais sem a interação vis-à-vis. Em tempos de distanciamento social como fazer o coração sentir quem os olhos não veem? Como manter as pessoas próximas sem que seja pela chamada de vídeo ou outra forma de transmissão de imagem? Como fortalecer amizades sem necessariamente se ver na obrigação de acompanhar as infindáveis mensagens nos grupos de WhatsApp como substituição do “olho no olho”?
A forma antiga do nosso dia-a-dia não apenas sofreu uma reviravolta como se aponta certa urgência em nos reorganizarmos no “novo normal”, termo que vai se tornando comum a imprimir de vez a ideia de que nada mais será como antes. Então, o que fazer com o excesso de afeto que se acumula esperando o momento da explosão que poderia se dar nos futuros -agora, temerários -encontros? E o que fazer com a explosão escancarada do desamparo por uma piedade arruinada pela temeridade da vida? Sábado passado, por telefone, falei com um amigo que estava atônito com o fato de ter encontrado na rua deserta um conhecido mendigo soropositivo mas que não pôde atende-lo porque, por razões de higiene, parou de usar dinheiro de papel ou moeda. Apesar do cartão de crédito ou de débito a situação não se lhe configurou confortável. Sentiu-se envergonhado não por não dar algum trocado mas por toda vez que o encontrou pelas ruas se omitiu diante da situação, por sempre ter evitado maiores aproximações com a realidade daquele homem encerrando de pronto o contato estabelecido arrumando rapidamente alguma nota toda vez que fora abordado. E encerrou a ligação dizendo que o mendigo havia lhe dado uma lição de compaixão ao responder que agradecia pela atenção e que dinheiro não era tudo. Como se eu visse o olhar vazio do homem concluí que estamos passando e sofrendo pela mesma crise: a de abstinência de pessoas que se importem com o sofrimento alheio sem o proselitismo oportunista e covarde muito comum que só alivia algum tipo de culpa maquiada de bondade.
Se quisermos aprofundar aprendizados podemos desmascarar os sentimentos e partir para atitudes. Remover entulhos a desobstruir caminhos para a realização de alianças sólidas firmadas em afetos renovados para não esperar agir quando a pandemia passar mas assumir desde então o compromisso com o bem viver a exigir de nós a “beleza de ser um eterno aprendiz” ou eternas aprendizes.

Obs: Imagem enviada pelo autor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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