Wilson Gorj 15 de maio de 2020

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O filho queria vir da capital para a casa dos pais, passar o Dia das Mães com eles.
– Filho, não venha não – disse o pai, pelo telefone.
– Que isso, pai? Onde já se viu! Todo o ano eu passo esse domingo de maio com vocês. Com a mãe. É o dia dela.
– Eu sei, filho. Mas você vem aí dessa cidade infestada de casos, de pessoas contaminadas. Dessa vez, não venha. Se melhorarem as coisas, você vem para o Natal.
– Pai, na-na-não. Natal? Estamos em maio.
– Quem sabe antes, no Dia de Finados.
– Pai, que brincadeira estúpida. Quero ir agora, neste domingo. Chama a mãe, por favor. Vou falar com ela.
– Ela tá no banho. Sério, filho. Cê já tá grandinho, mas ainda pode obedecer a uma ordem desse velho aqui. Fique em casa. Ou não fique. Só não venha pra cá agora. Não é um bom momento.
– E o presente, pai? Vou mandar pelos correios?
– Boa ideia. Ou traz no Natal. Ou antes. Vamos ver.
– Vou ligar depois. Falar com a mãe. Isso não tá certo.
– Você já fez o teste?
– Do vírus?
– Sim. Já fez?
– Não.
– Aí! Tá vendo? Mais um motivo para não vir.
– Tá bom, pai. Depois eu falo com a mãe. A bênção.
– Bênção, filho. Te amo.
– Também.
Instantes depois, a mulher sai do banheiro.
– Era o nosso filho?
– Sim. Vai ligar depois.
– Ele não vem, não é?
– Não. Mas ele está bem.
– Graças a Deus.
– Mas pedi para ele não vir.
– Triste. É o Dia das Mães. O primeiro sem ele…
– Sim, muito triste. Mas o mundo está de ponta-cabeça.
– Deve ter comprado um presente caro.
– Covid não é presente que se dê.
– Você fala cada besteira. Deus-me-livre!
– Eu falo besteira, sim. Mas nem de longe me comparo ao “nosso” presidente.
– Aquele lá ninguém supera.
– Falando em superar, pega o nosso baralho… Vamos continuar o jogo de ontem. Desse buraco eu não tenho medo.
– Cruz-credo. Você, de novo, com esse humor negro.
– Pro buraco todos nós vamos um dia, ué.
– Eu não quero ir.
– Então, vamos juntos!
– Não diga uma barbaridade dessas!
– Vamos juntos ao jogo, mulher! Ao jogo! Traga o baralho, que vou lá na cozinha buscar a cerveja.
– Traz dois copos. Dessa vez vou acompanhar.
– Opa! Hoje a noite vai ser boa, hein?
E foi.

Obs: O autor é escritor e editor. Também é sócio-proprietário da Editora Penalux.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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