Nunca ouvi ninguém dizer que fazer determinado serviço fosse feijoada, pirão ou buchada. Se alguém assim o faz,  não é do meu conhecimento. A invocação que se opera é com a sopa: isso é sopa, no que todos hão de concordar comigo. A sopa carrega suas vantagens, até pelo nome com que foi batizada.

De minha parte, só conheci a sopa, pelo que minha memória registra, nos idos de 1958. Vovó Brasília foi passar uns dias em Aracaju, e, na volta, trouxe a receita da sopa de feijão, que mamãe passou a seguir. Se tinha antes, não me recordo. A sopa de feijão contava com o caldo do feijão, daí ser escura, e com espaguete, além de ingredientes naturais, e, nessa área, me calo, pela pouca intimidade que tenho nesses negócios de cozinha. O que sei é que a partir daí que lá em casa, à noite, no jantar, aqui e ali, apareceu a sopa de feijão. Depois, muito depois, é que outros tipos de sopa ingressaram no nosso modesto cardápio.

Em Aracaju, no curso de Direito, me deparei com a sopa Mão de Vaca, a carregar ingredientes que não sei apontar. A mão da vaca é que não vinha no prato, mesmo porque vaca não tem mão, não vamos esquecer o detalhe. Era uma sopa forte, dessas que a gente suava quando a digeria.

Muito tempo após, em João Pessoa, conheci a sopa Cabeça de Galo. Em princípio, fiquei a mexer a colher, para ver se, efetivamente, tinha cabeça de galo dentro da panela. Me asseguraram que só no nome era que a cabeça de galo aparecia, de modo que eu podia ficar tranqüilo. Na imensa panela,  o que muito vi foi ovo cozido, sem a casca. A sopa Cabeça de Galo me fez lembrar da sopa Mão de Vaca.

Em Lisboa, fui apresentada a uma sopa cujo título me atraiu: Sopa de Pedra (ensopado). Anotei os seus componentes: feijão catarino, caldo de cozedura do feijão, carne de porco, chouriço, farinheira, morcela, massa conquilete, tomate triturado, caldo de carne, cravinho, manjerona, piri-piri, cominhos, pimentão doce, louro, azeite e sal. E, aliás, foi fácil registrá-los, porque estão inseridos em um prato, a título de propaganda. Posso assegurar que é gostosa, mas, da minha tropa, o único que correu o risco fui eu, a repetir a dosagem no dia seguinte. O dado mais importante: não continha nenhuma pedra.

Veio, então, a lembrança de uma soparia em Ouricuri. Empresa só com uma porta, algumas mesas, balcão com a panela de sopa, e, eu a perguntar quais os tipos de sopa que se tinha. Só uma, de feijão. Bom, não perdi a elegância nem a viagem, afirmando: é da que eu queria mesmo. E lá fui a me deliciar. 23 de outubro de 2019.

Obs: Publicado no Diario de Pernambuco
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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