A pedido de amigos, listo a seguir, apesar de algumas incertezas, considerações sobre a COVID 19, sendo importante ressaltar que elas são posicionamentos momentâneos e que podem mudar de acordo com os novos conhecimentos que vão sendo produzidos, e com a experiência mundial que vai se acumulando. Então vamos lá: 1) Essa virose é uma das mais contagiosas da história recente da humanidade; 2) O conhecimento sobre sua transmissibilidade, embora venha progredindo desde o início da pandemia, ainda é insuficiente, o que impede, nesse momento, de termos certeza absoluta sobre as melhores estratégias a serem implementadas, diferentemente, por exemplo, da postura diante da ameaça de outras epidemias, como, por exemplo, a causada pelo vírus Ebola, embora tudo leva a crer que a via aérea, direta e indiretamente, é a forma mais importante de propagação; 3) A morbidade e a letalidade da COVID 19 são muito superiores as de outras viroses respiratórias, inclusive porque, apesar de sintomas respiratórios, ela é uma doença sistêmica, que ataca vários órgãos, e sua alta morbiletalidade é causada, além da agressão direta do vírus aos tecidos, por uma prejudicial “tempestade” inflamatória e por micro tromboses generalizadas; 4) Precisamos ganhar tempo para aumentar a eficiência da assistência hospitalar (em todas as dimensões) e sua capacidade de atender aos que desenvolvem uma terrível Síndrome Respiratória Aguda Grave, com mortalidade em torno de 50%. E, também, para descobrir um tratamento (ou intervenções) efetivas, assim como para desenvolver uma vacina eficaz e segura; 5) Três das variáveis mais importantes, em todas as fases de uma infecção, são o número de germes do agente causador, sua agressividade/virulência e a resistência dos indivíduos; 6) As medidas preventivas atualmente propostas (lógicas e aparentemente efetivas para diminuição da transmissibilidade, e portanto, do número de germes, isto é, da carga viral) são: a etiqueta respiratória, o afastamento social, o distanciamento físico das pessoa, a higiene das mãos, a proteção facial (pelo menos evitando o toque em qualquer parte do rosto sem a devida higienização das mãos) e o uso de máscaras, mesmo as de pano, particularmente em ambiente não domiciliar; 7) A sub-notificação é gigantesca. Portanto, o número de infectados e mortos é muito maior do que está sendo divulgado. Talvez, 10 vezes maior, quanto aos infectados, e 1,5 a 2 vezes, em relação ao número de mortos; 8) Tudo leva a crer que, para cada 10 pessoas contaminadas, 8 serão oligossintomáticas ou assintomáticas, porém contaminantes; 9) Não há padrão sintomático, nem evolutivo, definido e inflexível. Vale a máxima “cada caso é um caso”. Assim sendo, todos os suspeitos de estarem acometidos pela COVID 19 devem ser acompanhados com toda atenção e cuidado; 10) Ainda não sabemos se a primo infecção garante imunidade definitiva, e o vírus parece ter uma taxa de mutação elevada, o que aumenta as incertezas, atuais e futuras; 11) O perfil de suscetibilidade está mudando. Isto é, a noção de grupos de risco está se modificando, com a doença atingindo pessoas com menos de 60 anos e sem comorbidades; 12) O impacto econômico mundial será devastador, com ou sem o afastamento social nos próximos meses. É falsa a propalada “Escolha de Sofia”. Ou teremos crise econômica, com pandemia descontrolada ou crise econômica, com pandemia controlada. E a quase totalidade dos economistas afirma que a segunda escolha é a melhor opção; 13) O custo financeiro total da assistência aos pacientes da COVID 19 será muito, muito alto; 14) A procura de Evidência Científica, na área da saúde, isto é, da “verdade manifesta” do ponto de vista cientifico, é um processo escalonado, universalmente muito bem consolidado, que começa com opiniões pessoais, ou de entidades, e que atinge seu ápice quando existe um quantitativo de megatrials (grandes estudos controlados, com pelo menos 10 mil pessoas e com grande período de acompanhamento) ou pelo menos um megatrial ou, alternativamente, algumas revisões sistemáticas de trabalhos, de qualidade, já realizados, feitas por autores, ou grupo de autores, independentes e sem conflito de interesses; 15) O mínimo necessário para se considerar que existe uma “sugestão de evidência” para uma intervenção em saúde é se ter, pelo menos, um estudo randomizado, controlado e duplo cego, de qualidade metodológica e realizado por pesquisadores competentes e sem conflito de interesses; 16) É muito freqüente uma substância se mostrar efetiva in vitro e não conseguir repetir seu desempenho in vivo. A Cloroquina é um bom exemplo, pois em outras afecções na qual foi testada comprovou ser eficiente em estudos laboratoriais e depois não funcionou em seres humanos; 17) Causa estranheza pessoas leigas tentarem impor, como verdade científica inquestionável, intervenções que não tenham se pautado no método científico. Ou que tentam transformar opiniões de profissionais, que independente de titulação e representatividade, devem ser consideradas apenas o nível inicial no processo de procura da evidência cientifica; 18) Essas opiniões, mesmo que baseada em uma série de casos, não podem, de maneira nenhuma, serem consideradas como provas de evidência científica. São apenas hipóteses que precisam ser testadas pelo método cientifico, através de pesquisas com desenho adequado; 19) Causa ainda maior estranheza pessoas tituladas e de notório saber tentarem impor intervenções que têm apenas sugestões de evidência, confundindo o público leigo ao afirmar que as mesmas são baseadas em evidência. Este fato, apesar da titulação dos personagens, levanta a suspeita de má fé, conflitos de interesses ou ignorância do método científico aplicado na área da saúde; 20) Uma situação de emergência sanitária permite, desde que aceita pelo público alvo, individual (através de um consentimento livre e esclarecido do paciente ou familiares) ou coletivamente, com respaldo de instituições como a Organização Mundial de Saúde e o CDC, a utilização de intervenções sem a definitiva comprovação científica, ou uso off label de uma medicação (indicações não previstas na bula ou para qual a droga não foi liberada) desde que, teoricamente, haja uma avaliação positiva da relação custo-benefício-malefício; 21) O uso da Cloroquina, da Hidroxicloroquina (associadas ou não a Azitromicina), da Ivermectina, da Nitazoxanida, entre outros, dentro do contexto do item anterior, pode ser permitido na COVID 19. Especificamente em relação a Hidroxicloroquina, era pessoalmente favorável ao seu uso nos casos sintomáticos e, principalmente, nos casos graves (uso humanitário). Entretanto, alguns trabalhos recentes não têm conseguido mostrar sua efetividade. Acredito que dentro de algumas semanas teremos novidades que nos aproximarão da tão aguardada “evidência científica” (que pode ser favorável ou não ao seu uso) e de sua avaliação custo-benefício-malefício; 22) A estratégia do gargarejo com sal, de forma preventiva, como circula na mídia, tem lógica e fortes sugestões de evidência para várias afecções e intervenções de orofaringe e excelente perfil custo-benefício-malefício, lembrando que o sal é, comprovadamente, excelente bactericida, fungicida e viricida; 23) Ambientes ensolarados e ventilados são inegavelmente mais saudáveis e promovem alguma proteção contra a enorme disseminação, via aérea, do vírus, inclusive, infelizmente, através da fala; 24) No verão brasileiro, parece não fazer sentido desinfecções de áreas públicas, particularmente no nordeste brasileiro. Devemos concentrá-las, se for o caso, apenas em ambiente internos; 25) Sou contra o fim do isolamento social antes do fim do inverno e, principalmente, antes de termos uma estratégia que se mostre eficiente e factível para o controle da pandemia; 26)  Nossa expectativa para a chegada de uma vacina deve ser realista e não ufanista. Sem dúvida, uma vacina eficiente será desenvolvida, mas não acredito que, mesmo que as etapas de segurança sejam minimizadas, ela esteja disponível antes do fim do ano; 27) O SUS deverá se fortalecer, após ter demonstrado sua importância, capilaridade e racionalidade, assim como o Sistema Nacional de C&T&I; 28) Várias categorias profissionais também ficarão reconhecidas e valorizadas; 29) Existem enormes incertezas sanitárias, sociais e econômicas, em relação ao cenário pós “primeira onda” da COVID 19; 30) Infelizmente, o controle da atual pandemia se fará com muitas lágrimas. E o cenário irá piorar, e muito, antes de melhorar. Mas acredito, com convicção, que conseguiremos vencer o desafio postado para a humanidade, com muito trabalho e muita Ciência, Tecnologia e Inovação; 31) Esta pandemia, provavelmente, não será a última a ser enfrentada pela humanidade. Aliás, entre nós, nos anos recentes, ocorreu uma seqüência de graves epidemias, como a Dengue, a H1N1, a Zika e a Chikungunya. E as mudanças climáticas, junto com o atual modelo de sociedade e condições de vida da maioria da população mundial, parecem estar contribuindo para o surgimento de epidemias; 32) A desvalorização da gravidade dessa pandemia e a não adoção de medidas factíveis e necessárias para minorar seus efeitos, diretos e indiretos, se constituem, em conjunto, um verdadeiro crime contra a humanidade, que deve ser denunciado à Corte Internacional de Justiça. E os profissionais de saúde (assim como, indiretamente, suas famílias) obrigados a se exporem desnecessariamente COVID 19, por falta de equipamentos de proteção adequados, ou aqueles que tiveram de fazer, devido à falta de insumos (como, por exemplo, respiradores), escolhas que acarretaram a morte de pacientes, devem, após o controle da epidemia, iniciar processos (individuais ou coletivos), civis e penais, contra as autoridades responsáveis por essa criminosa e inaceitável situação, tipificada no Código Penal Brasileiro; 33) O valor de uma sociedade pode ser medida pela maneira com que ela trata e acolhe seus membros mais vulneráveis, incluindo os idosos. Finalizo com um beijo no coração de todos e votos de uma Feliz Páscoa, plena de reflexões e significados.

Obs: O autor, Prof. Dr. Aurélio Molina, Ph.D pela University of Leeds (Inglaterra) é membro das Academias Pernambucanas de Ciências e de Medicina, professor da UPE, Coordenador do Programa Ganhe o Mundo.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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