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O pânico é um subproduto de situações limites ou de sistemas totalizantes. É muito funcional com mecanismos de exploração e dominação porque opera com vulnerabilidades e medo. Cria a sensação de impotência e tragédia. O pânico pode ter causas reais, concretas e formais. Ou, por outro lado, originar-se de representações simbólicas, psicológicas, culturais e até transcendentais. Mas, nem por isso deixa de ser real e interferir sobre a vida das pessoas, grupos, sociedades locais, nacionais e globais.

Atenção passageiros da nave mundial, estamos atravessando uma área de forte instabilidade e turbulência! Além das turbulências sistêmicas e sistemáticas de ordem política, econômica, social, cultural e religiosa que nos atingem há mais tempo, agora somos assolados pelo assombroso novo coronavírus. Com ele, instaurou-se uma pandemia real e imaginária que se propaga pelo ar e pelas muitas mídias, causando mortes, transtornos diversos, isolamento social forçado e pânico.

A realidade se assemelha ao quadro imaginário apresentado na ficção científica de Elysium. O filme mostra o desespero dos habitantes da terra no ano 2154, diante da miséria e do colapso do planeta. Ao mesmo tempo, retrata a emblemática fuga de alguns muito ricos para uma estação espacial chamada Elysium, onde haveria todas as formas de prazer e bem estar. Trata-se de um paraíso idealizado pelos endinheirados, porém inacessível para o conjunto da população.

O que estamos vivendo atualmente faz lembrar também a história do humorista vestido de palhaço que saiu pelas ruas anunciando que o circo tinha pegado fogo. Ele queria testar a capacidade de mobilização solidária daquela cidade em que o circo se instalara. Muita gente correu atônita para prestar ajuda. No entanto, era mentira, fake news. Passados alguns dias, ironicamente, aquela brincadeira de mau gosto acabou acontecendo e a tragédia foi completa. O palhaço, então, tomado de pânico, saiu aos gritos pela cidade pedindo socorro, mas ninguém apareceu para acudir.

Assim estamos nós, envoltos pela paranoia real e imaginária, e sofrendo consequências graves de mentiras verdadeiras e de duras verdades. A presente pandemia/paranoia se instalou por um vírus, o que também é muito sugestivo. Vírus sempre atemoriza pelo perigo real ou imaginário que traz. Seu poder é tal, mesmo porque sempre vem no plural. Nem se deixa escrever no singular. A humanidade está brincando com vários tipos de vírus, inclusive com o da mentira. Não é sem sentido que alguns afirmam já termos adentrado na era da pós-verdade e do relativismo absoluto.

A humanidade não pode mais continuar com as práticas destrutivas do meio ambiente e de aprofundamento da miséria e da violência, pois não haverá Elysium para todos. Também não pode seguir com a paranoia pandêmica das fake news porque elas instalam a doença, a intolerância, o individualismo, a indiferença, o ódio e o medo. Precisamos enfrentar efetivamente o coronavírus e outros vírus, bem como as dramáticas desigualdades sociais, as insanidades e os insanos que nos governam. Precisamos mais e não menos investimento público em saúde (SUS), educação, trabalho, segurança, seguridade…

Imaginemos uma sensibilização e mobilização mundial como está havendo agora em torno do coronavírus para enfrentar a fome, a falta de trabalho, as doenças do atraso (social) e o surto de doenças ocasionadas pelos “avanços” (científicos e tecnológicos). Imaginemos uma mobilização pra valer a fim de enfrentar as causas das mudanças climáticas, da perda da biodiversidade; para estimular a ecologia integral; a espiritualidade libertadora e o cuidado com a nossa casa comum.

Nesse tempo de quarentena e quaresma, precisamos sim dar uma parada, mas não podemos ficar paralisados. A melhor atitude é aumentar a prudência e o cuidado e diminuir o pânico. A prudência e o cuidado são capazes de salvar, mas a indiferença e o pânico podem nos matar. Precisamos que o amor esteja acima de todos (não o ódio e a estupidez), a saúde acima de tudo, a justiça para todos e a solidariedade por toda parte!

Obs: O autor é Doutor em Sociologia, pós-doutor em Educação e professor da Universidade Federal do Sul da Bahia

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Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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