4 – A Dura Realidade!
“Caminheiro, você sabe, que não existe caminho; passo a passo, pouco a pouco, e é o caminho que faz”. (Canto: “Caminheiro”)
Numa ocasião a Juíza da época dos anos “80”, Dra. Palheta, pediu para a PAMEN investigar uma situação para comprovar a presença de meninas menores se prostituindo em dois bares perto da Rodovia Santarém-Cuiabá. Dois casais da nossa equipe, disfarçados de namorados, entraram nos bares e constataram a presença de meninas menores se prostituindo.
Alguns dias depois houve uma Blitz da Polícia Militar, junto com a presidente do COMDCA, Alba Rosa, funcionária da APAE, e eu, o vice-presidente do COMDCA. Foram levadas para a Delegacia de Polícia para serem interrogadas. Depois as levaram para suas casas e conversaram com as mães para serem mais responsáveis com as suas filhas. As mães não demonstraram muita segurança em poder controlar o dia a dia das filhas. Dra. Palheta mandou fechar os dois bares.
Alguns vão dizer, talvez, que isso é um trabalho que não dá resultado positivo permanente na vida destas meninas, das famílias delas, e a prática dos donos dos bares. Pelo menos, é uma ação que demonstra que tal situação de usar meninas como objetos de prazer não é aceitável; que são filhas de Deus e seres humanos com direito de serem respeitadas. As vezes julgamos tais pessoas e situações sem saber o que aconteceu na vida delas para chegar até este ponto.
Ao longo da história da PAMEN aprendemos que em alguns casos como este, as famílias tomaram uma decisão mais firme e começaram a acompanhar as filhas com mais atenção, procurando educá-las com valores que resultavam num modo de ser mais positivo e de maior autoestima.
Na família do ex Menor da PAMEN, “Preto Velho”, 45 anos, três irmãos mortos por envolvimento com drogas e brigas; ele assassinou o próprio Pai em defesa da sua mãe durante uma briga familiar. Passou vários anos preso. Agora, ele é casado com uma senhora, após sete anos de convivência. Ela foi a pessoa chave na vida dele; o incentivou para mudar suas atitudes durante a caminhada juntos.
Construção da Área Coberta da PAMEN: um pai de família da Pastoral, Raimundo Vieira, foi o Mestre de Obras da construção do ginásio da PAMEN. Junto com a equipe dele, prepararam toda a infraestrutura para receber o piso e o telhado. Os engenheiros, ex-alunos do Colégio Dom Amando, que visitam a PAMEN, admiravam esta obra, feita de madeira, dentro dos critérios exigentes da engenharia. Seu Raimundo nem terminou o ensino fundamental, mas com este dom que recebeu de Deus, conduziu esta boa obra que tem sido o lugar mais utilizado na Pastoral.
O piso desta quadra foi feito pelo engenheiro Otávio Simões, ex-aluno do Ir. Ronaldo no Colégio Dom Amando. Até hoje podemos mostrar um piso feito com muito cuidado, em boas condições, sem falhas. Esse ginásio tem servido para tantas atividades, como jogos, apresentações, missas, encontros, reuniões dos pais e responsáveis das crianças e adolescentes.
Um outro ex-aluno do Ir. Ronaldo do Colégio Dom Amando, João David Miléo, doou o nosso bebedouro de água. Ele está sempre acompanhando e garantido este elemento tão precioso para os usuários, ÁGUA PURA, extraída de um poço de 60m de profundidade, na PAMEN.
Roberto Branco, mais um ex-aluno do Ir. Ronaldo do colégio Dom Amando, colaborou em várias construções na Pastoral, sempre bem feitas e bonitas.
Darenice Coimbra Dantas, junto com um grupo de funcionários da Coimbra Imobiliária, acompanham o núcleo do bairro Elcione Barbalho por vários anos, animando e apoiando a equipe e as crianças, adolescentes e famílias.
A Campanha promovida pela PAMEN Nacional “Dê Oportunidade”! foi bem desenvolvida nas escolas do Município e do Estado. O objetivo desta Campanha é sensibilizar os estudantes para a situação de risco que os adolescentes enfrentam por estarem em conflito com a lei, podendo ser “presos”. São realizados encontros nas salas de aula com o lema “Ninguém Nasce Infrator”! Ao mesmo tempo são orientados para não caírem nas armadilhas das drogas, roubos, assaltos, com a falsa ideia de liberdade.
Na primeira etapa de “Despertar” desta campanha em 2017, foram atingidos aproximadamente 3.000 adolescentes e jovens, em dez escolas. Na segunda etapa, através de encontros de duas a três horas, aprofundou-se a orientação sobre as causas de cairam nos vícios e a prevenção. A psicóloga, Lucélia, da PAMEN, está desenvolvendo este trabalho iniciado em 2017 junto comigo. As escolas avaliaram como uma ação positiva.
O grupo social, AMIZADE, fundada e coordenada por Dan Weiss, dos EUA, construiu vários prédios no centro e nos núcleos da Pastoral do Menor. Os prédios, até hoje, estão servindo para poder coordenar e melhor administrar a Pastoral Centro e os Núcleos.
Na Campanha “Natal Sem Fome”, a equipe vai com as mães da PAMEN, pelas ruas, a noite, pedindo alimentos. Bernadete fala de uma senhora idosa que mora numa casa muito pobre, e que a equipe ia passando em frente, os chamou para receber a sua doação. Deu o que tinha para dar, três palitos de fósforo. Uma vez Jesus elogiou uma pobre viúva que ofertou duas moedas na caixa de coleta na Sinagoga; era tudo o que ela tinha para dar.
Em 1990 visitei o Garimpo Cuiú-Cuiú. O vigário daquela Região, Frei Paulo Zoderer, da Ordem dos Frades Franciscanos, estava doente com malária. Ele sabia que eu estava procurando uma oportunidade de visitar um dos garimpos para constatar a situação de meninas menores se prostituindo. Ele me pediu para ir na época da festa de São Francisco para administrar os sacramentos do batismo e do casamento na região do Cuiú-Cuiú.
Tomei o ônibus para Itaituba e lá embarquei num avião pequeno cheio de mercadoria. Tinha assento somente para o piloto. Ajeitei um lugar para mim com as costas inclinadas numas caixas de óleo de cozinha. A viagem foi boa e pousamos na rua principal, na periferia da Vila. Fui procurar o catequista que estava esperando a minha chegada. Ele falou do seu plano durante a minha visita: celebrar os casamentos, batizados, visitar algumas boates e conversar com as jovens que se prostituíam. Ele já tinha alertado os donos de algumas boates, que eu ia fazer uma visita para poder conversar com as meninas que estavam “empregadas” lá.
Aproveitei o dia para conhecer a Vila e contei 30 bares-boates na rua principal. O catequista me falou que de três a quatro meninas e/ou senhoras jovens trabalhavam em cada boate. Me falou, também, que na segunda rua da Vila, existiam mais 30 lugares de prostituição nos fundos das casas, com o mesmo número de meninas e mulheres se prostituindo. Calculei que, na Vila, aproximadamente duzentas meninas e jovens adultas trabalhavam nesta “profissão”.
Nas conversas com as meninas, elas contavam que lhes foi prometido um emprego como cozinheira, ou como ajudante de cozinheira; que iam ganhar muito ouro para poder comprar roupa bonita, mandar algum dinheiro para casa e ainda sobrava para se divertirem.
Segundo elas, foi uma grande surpresa quando souberam que iam trabalhar num bar onde tinham quartos para ficarem à disposição dos homens que vinham dos garimpos para descansarem e se divertirem. Seriam usadas como objetos de prazer. Todo dinheiro que ganhavam ficava com o dono do boate para pagar suas despesas com alimentação, moradia, etc. Assim, nunca tinham condições de poder pagar uma passagem de avião para retornarem às suas casas.
Tirei fotos delas. Ficaram felizes, se vestindo da melhor roupa para aparecerem bonitas. Uma delas, com 22 anos, era de Santarém e me pediu para levar uma carta para a sua casa. Já estava com seis anos no garimpo e não tinha esperança de alcançar um outro estilo de vida. A maioria das meninas era do estado do Maranhão e queria sair daquela vida, mas não tinha condições financeiras de se libertarem da situação em que viviam.
Alguns anos depois, o garimpo do Cuiú-Cuiú ficou famoso quando foi invadido pela polícia federal, no ano em que o Brasil foi denunciado pela UNICEF (Organização Mundial que combate a violência contra crianças e adolescentes) devido a prostituição de meninas menores nos garimpos brasileiros. O governo respondeu a essa denúncia mandando a polícia federal para investigar e trazer as meninas menores de lá. A polícia trouxe 40 meninas menores. Na minha visita eu tinha calculado mais de 200.
A juíza pediu para a PAMEN acompanhar as meninas que eram de Santarém, através do programa de educação da PAMEN, incluindo-as em cursos, buscando escolas perto das suas casas para estudarem, e acompanhando-as em família. Ao passar do tempo todas voltaram para o garimpo. Parece que não conseguiram readaptar a uma vida normal e organizada que valorizasse suas pessoas, dando sentido às suas vidas. Dava a impressão que não entendiam bem o que estava acontecendo com elas, se sentiam estranhas com o nosso tratamento e relacionamento de cuidado e respeito. Nesta época, ainda não tinha em Santarém acesso à ajuda psicológica para estes casos, ou uma presença dos Conselhos de Direito e Tutelares.
Nessa época de tráfico de meninas e mulheres para os garimpos, uma das meninas da PAMEN, de 14 anos, foi levada para o garimpo Novo Progresso. Foi abordada por uma senhora do garimpo para ir se aventurar; iria trabalhar como cozinheira, ganhar muito ouro, suficiente para mandar para a família e conhecer e desfrutar as vantagens de uma vida fácil.
Com mais duas colegas da escola, foram orientadas para irem vestidas normalmente de farda para a aula e levar uma outra roupa do dia-a-dia na bolsa escolar. Depois da aula trocariam as roupas no banheiro e iriam para se encontrarem com a senhora que as esperava num carro lá perto. Daí embarcariam num avião para o garimpo.
Como a menina não voltou para casa depois das aulas, a família ficou preocupada. Ligou para as suas colegas e descobriu o que tinha acontecido com ela. A mãe, desesperada, ligou para mim e eu entrei em contato com a Polícia Militar sabendo que eles tinham destacamento nos garimpos. Em outra ocasião, o comandante da Polícia Militar tinha falado comigo que qualquer problema com os nossos meninos e meninas poderia contar com o apoio deles.
A Polícia Militar avisou os policiais do garimpo, e, não demorou muito tempo que a menina já estava na Delegacia da Polícia do Novo Progresso. Na manhã seguinte foi mandada de volta, com passagem paga pela senhora que a tinha levado.
Junto com os seus pais fomos recebê-la no aeroporto. Ela chegou chateada por termos interferido nos seus planos. Com o tempo, participando nas atividades da PAMEN, ela foi reconhecendo o grande perigo que corria, desprotegida, à mercê dos garimpeiros. Uma menina de 14 anos era destinada a ter a vida destruída pelo desrespeito total da sua pessoa.
A família da minha irmã dos EUA, mesmo à distância, a adotou, e ajudou a família dela até ela terminou o colegial. Depois financiou a sua formação na área de Enfermagem no IESPES. Hoje, separada do companheiro, vive com os filhos e trabalha num hospital na cidade. Seus filhos passaram pelo programa da PAMEN.
Obs: Texto retirado do Livro do autor Pastoral do Menor, com a sua autorização.