O filósofo alemão Theodor W. Adorno, em Educação depois de Auschwitz, nos põe diante dos efeitos nefastos da indústria cultural, exortando-nos a nutrirmos uma lúcida suspeita em relação a ideia de progresso humano. Não negamos as maravilhas que a razão moderna desenvolveu ao longo da história, mas basta uma análise atenta e logo descobrimos o quanto injusto é o progresso, a tecnologia à serviço de grandes empresas, o abismo cada vez mais crescente entre ricos e pobres. Além disso, a ideia de bem-estar que o progresso promete, porta uma outra consequência cruel: o suicídio de tantos que vivem em berços de ouro e, por outro lado, o mesmo problema se encontra nas classes pobres que não suportam o peso da desigualdade. Impõem-se, assim, para todo ser humano a pergunta: como encontrar o sentido da vida? Por que, apesar da dor, ainda vale a pena seguir caminhando? Uma chave para adentrarmos na questão é a Paixão de Cristo, pois aqui descobrimos, através da experiência do homem Jesus, a resposta mais profunda para a questão que se levanta.

Antes de qualquer especulação, quero ilustrar esta primeira parte com uma história de alguém da nossa gente simples, a fim de sermos mais concretos. Ao invés de falarmos da Paixão de Cristo como um discurso teórico, usaremos uma linguagem narrativa que nos provoca a buscarmos uma resposta concreta à questão do sentido da vida. Vejamos.

Pedro nasceu numa família pobre, na zona rural. Na adolescência descobriu que era portador de um tipo de paralisia que o fazia caminhar com dificuldades. Seu irmão mais velho, Antônio, era realmente deficiente físico, vivia sentado num banquinho e movimentava apenas as mãos. Ele tinha mais duas irmãs. Uma delas, quando alcançou a maioridade, foi viver no Rio de Janeiro com o sonho de melhorar de vida; a outra se casou aos 16 anos. Seus pais faleceram jovens e ficou apenas Pedro cuidando de Antônio que era totalmente deficiente das pernas. Pedro, apesar de ser também portador de deficiência, todos os dias dava banho no irmão, trazia a sua comida, o cobria a noite, na madrugada o ajudava a urinar num pinico e assim passou-se os anos da sua juventude. Antônio, como vivia sempre com os pés descalços no chão frio da casa, contraiu uma pneumonia e morreu.

A questão que podemos levantar até aqui é: o que era realmente viver para Pedro? Como ele, deficiente, encontrava forças para ajudar este seu irmão, mais deficiente fisicamente do que ele? Qual era a energia que o fazia viver assim?

Esta história ainda tem uma segunda parte. Quando o irmão faleceu, Pedro ficou sozinho e, aos poucos, os vizinhos foram realizando o êxodo rural. Porém, uma mulher, tida como prostituta na região, resolveu levar consigo a Pedro para viverem juntos na cidadezinha do interior. Ele teve com ela um filho. Montaram um ponto de bebidas e uma mesa de sinucas. Ganhavam a vida com o dinheirinho que entrava com a venda das bebidas e com os jogos. Como sua mulher era também alcoólatra, muitas vezes o esquecia sentado no sofá da casa e ia dormir sem ele (Pedro, a esta altura da vida, já não caminhava mais, com o tempo perdeu completamente os movimentos das pernas, como o seu irmão Antônio). Assim, passava muitas noites sentado, sendo molestado pelos pernilongos e só de manhazinha, quando sua mulher vencia a ressaca, dava-se conta que o havia esquecido e o levava para a cama.

Pedro era amigo dos seus vizinhos bêbados, pois como não tinham emprego iam a sua casa para jogar sinuca. Muitas vezes, era desrespeitado por ser deficiente. Outros não acreditavam que ele era o pai legítimo do seu filho, pois tinha se juntado com uma prostituta. E assim, ouvia de tudo. Ele adoeceu e foi internado com suspeita de infecção. Ficou 15 dias na UTI e faleceu.

Desta segunda parte, temos que perguntar: que sentido teve esta vida? Por que as situações do cotidiano foram tão duras e cruéis justo com alguém que se dedicou aos outros? Por que ele sempre insistiu em viver, apesar do sofrimento?

Esta história concreta, serve para associarmos a questão do sentido da vida com o drama da Paixão de Cristo, a qual se prolonga na carne dos que sofrem. Se isso continua presente a partir das diversas formas de sofrimento, então o que nós crentes poderíamos dizer a Pedro diante da sua dolorosa trajetória de vida? Qual seria a resposta a partir do Evangelho? A mensagem que brota da Paixão de Cristo responde em modo credível ao problema dos que sofrem hoje? Como?

Tentaremos uma solução a tal problema, mas só no próximo capítulo da novela. Aguarde!

Camaragibe – PE, 24 de janeiro de 2020

Obs: O autor é religioso da Congregação da Paixão de Jesus Cristo (Passionistas). Natural de Fagundes, Paraíba. É mestre em Teologia Fundamental pela Pontifícia Universidade Gregoriana (PUG) – Roma.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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