Malgrado o espaço de cinqüenta e seis anos que separa a atualidade do dia da sua morte, Euclides Paes Mendonça continua sendo notícia. Se, em vida, seus atos eram devidamente focados pelos jornais, sobretudo pela vigilante Gazeta de Sergipe, agora o veículo passa a ser o livro, e, entre eles, só para se ter um grande e específico exemplo, o último, se situa Coronelismo e Dominação, na segunda edição revista e ampliada. Euclides Paes Mendonça é a essência do seu extraordinário aumento, a começar pelo tamanho e pelo número de páginas, exatamente 171, a pular, espetacularmente, para 292, sem se destacar a metragem de cada página, no que tange a primeira edição e a de agora. É como se partisse de uma dessas capelinhas de beira de estrada, a assinalar o local onde um óbito ocorreu, motivado por acidente de veículo, para, sem perder o formato, transformá-la numa catedral. O construtor, arquiteto e engenheiro, simultaneamente, a quem se confere, como prêmio, as batatas reservadas ao vencedor, é Ibarê Dantas.

Euclides Paes Mendonça, portanto, é o nome que faz a diferença, a notícia viva que traz à tona um irrequieto político que não passou em brancas nuvens na sua trajetória pela história de Itabaiana, conseguindo a façanha, aliás, exclusiva, de se constituir numa página, e, ademais, virada, da história política de Sergipe de tempos de antanho. Essa a verdade, que não materializa nenhuma novidade. O inusitado em tudo é  o grande trunfo de Ibarê Dantas, digamos assim, o esqueleto e a carne do livro em sua segunda edição, a corda que segura a rede, a escada que se utiliza para se alcançar as torres da catedral, é um diário, que permanecia, em sua integralidade guardado, do juiz José Bezerra dos Santos, um machadiano autêntico e romancista, que passou por Itabaiana como seu magistrado, nos perigosos tempos em que Euclides Paes Mendonça foi o nome máximo do município serrano.

O ponto chave, ou, pelo menos, o que inspirou Ibarê Dantas a empreender a ampliação destacada se sustenta no inédito diário do juiz José Bezerra dos Santos, com mais de mil páginas manuscritas, no dia a dia da movimentada vida política de Itabaiana, onde o magistrado, na solidão de seu gabinete, deitava suas impressões, quiçá como forma de desabafar o que via e vivia, quiçá prestando um depoimento acerca da vida, ali, naquele exato momento, Itabaiana dividida em duas alas políticas, como, também, o Estado, em seu todo, pessedistas e udenistas, e, na sua comarca, a irrequieta figura de Euclides Paes Mendonça a comandar a sua orquestra, em repentes musicais que todo o município ouvia e dançava.

Verdade que a ampliação empreendida por Ibarê Dantas se calca, aqui e ali, na citação de trechos do diário, principalmente naqueles fatos que ficaram, marcados pela violência dos tempos então vividos, nos quais, pela primeira vez na sua história a palavra do juiz José Bezerra dos Santos pede licença para ser ouvida, fato primeiro na história do Estado e de qualquer outro município sergipano, por se constituir em algo essencialmente inédito, no registro do que viu e soube, efetuado por um magistrado, que, até então, a história não lhe abria espaço para se defender, ele que, cruelmente, foi tão maltratado pela Comissão Parlamentar de Inquérito, deslocada em 1963 para Itabaiana, motivada pela morte de Euclides Paes Mendonça, então deputado federal.

O diário, contudo, não foi revelado em sua integralidade, nem era, ainda, o instrumento adequado para tanto. Dele Ibarê Dantas se utilizou por diversas vezes, evidenciando, pelo que foi trasladado para o texto de Coronelismo e Dominação, o valor intrínseco que carrega, dentro da história do Poder Judiciário sergipano da sua exata época, a mostrar fatos que ficaram ao largo de qualquer registro. O diário do juiz José Bezerra dos Santos, nas suas mil e tantas páginas, desafia uma publicação. De diário, como nasceu, se alça a condição de depoimento de quem participou de fatos importantes na condição de juiz da comarca de Itabaiana, de quem buscou apoio no Tribunal de Justiça de então e não encontrou, de quem, solitariamente, em Itabaiana, se viu sozinho, despojado do apoio de todo o aparelho estatal, desde o Governo do Estado, que tinha a Polícia Militar nas mãos, ao Tribunal de Justiça, que, à época, se dividia em udenistas e pessedistas, e, no seu passo lento, conseguiu sobreviver, e, em sobrevivendo, com seu diário, presenteou a posteridade com seu depoimento, a envolver, no mesmo saco, o Poder Executivo e o Judiciário. Não foi um covarde. Antes de tudo, foi um herói, modesto e silencioso, que só agora, tantas décadas depois daqueles fatos, traz à história a sua palavra.

Vamos ser justos, afinal, com o juiz José Bezerra dos Santos, publicando, na integra, todo o seu diário. Atenção, Tribunal de Justiça, atenção, Assembléia Legislativa para tanto. Não vamos perder mais tempo.(21 de dezembro de 2019.)

Obs: Publicado no Correio de Sergipe
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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