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 Visita-surpresa na quinta-feira

 Um simpático grupo de jovens. Moças e rapazes, de uma Igreja batista de Belo Horizonte, em companhia de um de seus pastores (Filipe, a Igreja tem uma equipe de pastores), vieram ao Recife para conhecer a cidade e tomar contacto direto com a Igreja Batista em Coqueiral, na divisa entre o município do Recife e o de Jaboatão dos Guararapes. Acompanhava o grupo o pastor José Marcos, da IBC.

O intercâmbio entre comunidades é, sem dúvida, um gesto de fraternidade no Povo de Deus, inspirador e de muito proveito. Conhecer novas experiências, novos espaços, novas pessoas e novos ambientes… tudo isso contribui para nosso crescimento, abre novos horizontes, confirma intuições e nos ajuda a perceber que novos caminhos podem ser percorridos e a fraternidade se alarga no Corpo de Cristo. Sem dúvida, a IBC (Igreja Batista em Coqueiral) tem-se tornado um especial ponto de referência: intensa vida comunitária, clareza de propósitos, relação direta e fraterna entre pastor e comunidade; esta participa da reflexão, da formulação da visão e da realização prática das decisões tomadas. Durante a semana, o povo da Igreja está indo ao encontro do povo do bairro, mediante os diversos programas de ação social dirigidos particularmente para jovens e realizados de maneira participativa. Sem dúvida, a Missão é o sentido e o conteúdo da vida da Igreja, isto é, de um povo que se sente enviado à sociedade em nome de Jesus para anunciar e atuar em vista  de contribuir  para que a sociedade se transforme em “casa” de todas as pessoas: achegar-se às casas, declarar o “xalôm” (felicidade) de Deus… das casas sair às praças da cidade para que a “cura” (cuidado) se estenda a todas as pessoas abertas à presença do Reino, sem temer peregrinar na contramão dos sistemas opressores do mundo (cf. Mt 10, 1-16; Lc 10, 1-16). Anunciar o Evangelho não é necessariamente nem sobretudo implantar casas de religião, mas levar adiante, das casas de religião até às praças da cidade, a profecia de Isaías perigosamente assumida por Jesus (cf. Lc 4, 30). O Evangelho meditado com seriedade nos leva sem dúvida à prática de políticas públicas…

O grupo de Belo Horizonte se interessou por vir a Caruaru, a nossa casa, para escutar  histórias de Dom Helder e sobre Dom Helder. Já sabiam sumariamente sobre meu trabalho durante anos no Instituto de Teologia do Recife – ITER, e na assessoria à ação pastoral na Arquidiocese e no âmbito do Regional Nordeste II da CNBB. É claro que, por graça de Deus, tive inúmeras oportunidades de escutar e conviver com nosso Profeta. “Contei causos” (pra isso é que servem os velhos…) e vivemos  momentos de memória e de intensa emoção. Experiência de reviver em nós a presença de alguém que não morre nunca, pois permanece vivo através da inspiração que sempre de novo nos comunica e nos move adiante.

Interessante, momento espontâneo, sem formalidades institucionais, de já vivenciar com simplicidade a utopia que anunciamos de uma Igreja que se sente em comunhão aqui e no mundo inteiro. Jovens batistas na intimidade da casa de um bispo anglicano a compartilhar a memória de um santo, o destemido testemunho de um profeta que foi bispo católico romano. Sem dúvida a santidade e a profecia, a coragem e a lucidez das Bem-aventuranças (cf. Mt 5-7; Lc 6), o amor às multidões de gente pobre, explorada e humilhada e, finalmente, a esperança… são sempre e bastante fundamento para o abraço ecumênico que já nos une agora para além de diferenças religiosas, doutrinais, litúrgicas e institucionais… essas nós toleramos por ora, mas com muito humor, aquele humor de família em meio ao qual diferenças sempre são possíveis.

Escola Bíblica na IBC no sábado à tarde

No sábado à tarde tivemos nosso encontro mensal da Escola Bíblica da Igreja Batista em Coqueiral. No momento estamos  a estudar a transição do tribalismo ao regime de monarquia em Israel. Momento decisivo na história do Povo de Deus, traumático; segundo o profeta Samuel, momento de verdadeira ruptura com Deus e Seu projeto de um povo comunitário e solidário,

A Escola nasceu da necessidade de retomar a leitura da Bíblia depois de termos passado pela Escola de Fé e Politica. Já não era possível permanecer na leitura literal, ingênua e imediata dos textos. Fazia-se necessário voltar a rever o conjunto da Bíblia e praticar uma nova hermenêutica conforme nos orienta a segunda Carta aos Coríntios, capítulo terceiro.  A Bíblia tem de ser lida tendo em conta a História do Povo de Israel, as afirmações dos autores e a relação entre os textos antigos e nossa vida de hoje, de pessoas, de comunidades e de sociedade. O texto a provocar nossa  vida e a vida a interpelar com novas questões os antigos textos. Por isso, levando em conta duas observações que Lutero nos recordou, inspirado na tradição dos antigos Pais da Igreja: cada palavra da Bíblia se explica pelo conjunto das Escrituras, pois “a Bíblia é que explica a Bíblia” e “nas Escrituras é Palavra de Deus o que nos conduz a Cristo”. Para o exercício de estudo temos tido como guia o material de Introdução à Bíblia elaborado pelo CEBI (Centro de Estudos Bíblicos), um centro ecumênico de estudo bíblico, surgido nos anos setenta para responder à exigência das comunidades que precisavam de instrumentos para nos possibilitar uma nova perspectiva hermenêutica. De novo, um fenômeno novo: um bispo anglicano, biblista, assessor de estudos bíblicos numa Igreja Batista… enfim, milagres do Ecumenismo, ou seja, da comunhão em nosso único Senhor Jesus. Às vezes, brinco com a turma dizendo que nunca tinha sabido que batistas têm bispo…            

Momento de acolhida do grupo do Movimento de Missionários e Missionárias do Nordeste no Domingo

 Outro momento muito significativo aconteceu na “casa de Dom Helder”, na Igreja das Fronteiras, na celebração comunitária da manhã do domingo passado. Amigos, amigas e simpatizantes da experiência missionária do Movimento aí estávamos para receber peregrinos e peregrinas  que chegavam do Juazeiro de meu Padim, depois de um mês de peregrinação. O Movimento já existe por mais de trinta anos no Nordeste, pessoas de estados e comunidades cristãs de diferentes dioceses e Igrejas cristãs, com laços com as Comunidades de Base, com Igrejas protestantes e até com a Universidade Católica de Pernambuco… Trata-se de testemunhar no meio dos pobres a presença missionária de Jesus, em peregrinação por caminhos do Nordeste, desde a Bahia até os estados mais acima, do Ceará e do Piauí. Homens e mulheres, até casais, viajam a pé como viandantes de outros tempos, sem carregar dinheiro nem provisão de comida, apenas (como se não fosse muito) apostando na proteção de Deus e na caridade de irmãs e irmãos. Dormem e comem onde se lhes oferecem pousada, oram e celebram a convivência com pobres do Caminho e dialogam sobre as dificuldades da vida e os horizontes que se podem abrir com “a Fé que move montanhas” e a união do povo que cimenta a esperança.

Estávamos a receber um grupo em torno de umas vinte pessoas. Faces cansadas da caminhada, mas plenas de entusiasmo pelos frutos colhidos na convivência entre si e com pobres, filhos e filhas de Deus. Do Grupo, várias pessoas deram testemunho da caminhada e da particularidade da experiência, a cada peregrinação sempre novas surpresas reservadas por Deus mediante as vivências de cada membro da peregrinação. Sem dúvida, um momento de luminosidade e de brilho do Evangelho de Jesus entre nós. A assembleia litúrgica enchia a metade dos bancos do templo, sentada como grande roda que começava no altar  e se prolongava pelos bancos.  Padre Reginaldo Veloso, aliás em plena forma física, dirigia os cânticos de uma celebração em redor da Luz que irradia da Apresentação de Jesus no Templo, e particularmente encarnada nas duas figuras bíblicas do ancião profeta Simeão e da profetisa Ana, o templo marcado pela presença de velhos e viúvos acolhe a criança, Deus insiste em recomeçar… O cenário de Antigo Testamento se projetava adiante na acolhida que o Velho abria definitivamente ao Novo: “Agora, Senhor, despede em paz o teu servo, pois meus olhos viram a salvação que preparaste… Luz para iluminar as nações e glória do teu povo” (cf. Lc 2).

Na assembleia litúrgica havia amigos e amigas do grupo peregrino, pessoas assíduas às celebrações nas Fronteiras, pessoas da Universidade Católica, inclusive o Prof. Gilbraz Aragão, diretor de doutorado de Arthur Peregrino, líder do Movimento de Peregrinos e Peregrinas do Nordeste, membros da comunidade monástica do Discípulo Amado, de Abreu e Lima, religiosos e religiosas, jovens e alguns membros de movimentos populares ou seus apoiadores.  Pessoas da Igreja Batista de Bultrins, inclusive o Pastor Paulo César .O irmão Marcelo Barros, monge beneditino, teólogo e uma das figuras que entre nós encarna magistralmente a perspectiva do Macroecumenismo, fundado na Fé no único Deus de todos os povos e, por isso, relativiza as tradições religiosas particulares, sempre muito ligadas às vivências culturais e históricas de cada povo.  Pela Religião os povos mostram que ”gostam de Deus”, se comprazem em cultuá-Lo; pela Fé, porém, cada pessoa se compromete a tornar-se semelhante a Deus, Criador e Pai universal.  O querido irmão Marcelo  dirigia a celebração. Num gesto de delicadeza fraterna, cedeu-me a presidência da Liturgia da Palavra e nos iluminou com seu comentário da mensagem do dia: a Profecia invade o templo dos sacerdotes, abre a missão à perspectiva profética de Jesus e nos insere naquela comunidade que começa o novo a partir do velho Simeão e da profetisa Ana a segurarem nos braços a Criança que, segundo a profecia de Isaías, devia governar as nações: a Criança é o Messias, o novo condutor dos povos. Nossa esperança, a esperança dos aparentemente frágeis, como crianças, servos e servas e pobres, é esperança comunitária, por isso não acaba nunca, dizia eu. Somos o povo da Esperança, dizem os profetas da Bíblia. O irmão Marcelo assumiu a presidência no altar para a celebração eucarística, de “ação de graças” pela Peregrinação e pela Festa das Luzes. O povo católico  desde antigamente fala de Festa das Candeias e, pelo carinho para com a Mãe de Jesus, a recorda como “Nossa Senhora das Candeias”, é que como mãe, ela nos traz a Luz da Salvação que é Seu santo Filho. Foi uma manhã de alegria, de candeias (tínhamos uma vela acesa na mão) e de compromisso de levar adiante a “peregrinação da fé”  por este mundo afora (cf. Hb 11, 1-12, 4).

Obs: Para ver todas as imagens acesse http://domsebastiaoarmandogameleira.com/semana-para-celebrar-relacoes-ecumenicas/

O Autor é Bispo Emérito da Diocese Anglicana do Recife
Igreja Episcopal Anglicana do Brasil – IEAB….
É Teólogo e Biblista
Assessor do CEBI, de lideranças de Comunidades Eclesiais de Base e de Escolas de Fé e Política

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Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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