Ainda em tempo falo de coisas do carnaval. Afinal nem fez um mês ainda. Então vamos lá.
Tenho acompanhado o que se tem escrito sobre o desfile da mangueira e, sem surpresa, vejo a ala conservadora dos que se dizem cristãos criticar o desfile como se houvesse sido uma ofensa ao cristianismo e ao próprio Cristo.
Mas não seria esse comportamento recorrente através dos séculos? A negação do verdadeiro perfil do Cristo não é mais do que evidente nos crucifixos pendurados na maioria dos templos católicos, exibindo um Jesus de cabelos claros e com cachos nas pontas, face afilada e olhos verdes ou azuis?
Quais as chances de uma pessoa que nasceu na Palestina ter esse perfil? Como poderia Jesus não ter a pele morena, queimada pelo sol forte, em suas caminhadas? Como seus olhos e cabelos poderiam ser claros? Ele não nasceu na Europa minha gente. Concordar que esse perfil europeu de Jesus é uma deturpação de sua verdadeira aparência não é coisa de comunista. É questão de bom senso.
E aqui entra a mais nova polêmica dos conservadores e ultraconservadores religiosos: o desfile da Mangueira. A primeira coisa que me vem à cabeça quando leio as críticas condenando o desfile é: a mangueira mostrou, ao vivo e em cores, o que os conservadores têm medo de mostrar: a verdadeira face do Cristo.
E mostrou mais ainda, mostrou, mesmo que a intenção não tenha sido essa, a IGREJA EM SAÍDA, sonhada e conclamada pelo Papa Francisco. Ah, esqueci que os conservadores não gostam do papa.
Na verdade, os conservadores não gostam de nada que venha do evangelho. Essa é a realidade. Sabem por quê? Porque o evangelho fica guardado debaixo do braço, na mesa de cabeceira ou dissipado, nas leituras das missas. A turma conservadora não atentou ainda para um detalhe importantíssimo: o evangelho é para ser assimilado e vivido. Não é apenas para ser lido e interpretado ao bel prazer de cada um, de cada uma.
Caso Francisco recomendasse que os católicos e católicas deveriam rezar dois rosários todos os dias, assistir pelo menos a duas missas, diariamente, acender mil velas por semana ou louvar a Deus aos berros, os conservadores o aclamariam como inspirado pelo Espírito Santo. Como Francisco pede para os membros da Igreja fazerem o que está no evangelho, é tachado de comunista, de herege, rezam por sua renúncia ou pior, por sua morte. Algo do tipo que “se ele não encontrar a luz da conversão que encontre a luz final”.
Dom Helder, um dos líderes religiosos mais respeitado e aclamado em todo mundo, em um trecho de seu poema/oração Mariama, diz: “Mas é importante, Mariama, que a Igreja de teu Filho não fique em palavra, não fique em aplauso. Não basta pedir perdão pelos erros de ontem. É preciso acertar o passo de hoje sem ligar ao que disserem.
Claro que dirão, Mariama, que é política, que é subversão. É Evangelho de Cristo, Mariama”.
Do mesmo jeito que foi chamado de “bispo vermelho e de comunista” em sua época, se vivesse nos tempos de hoje, seria não apenas chamado de comunista, mas, provavelmente, seria xingado como o é o Papa Francisco. Mas, por outro lado, que bela parceria não fariam esses dois hein?
Ser cristão não é fácil. Quem disse que seria? Não é apenas louvação. É ação. E está tudo documentado no evangelho, nas ações do próprio Cristo. Quando curou doentes, ele deixou claro que todos e todas têm direito à saúde, não importa se é rico ou pobre. Quando partilhou os pães e os peixes, deu um recado muito claro: todos têm direito a se alimentar. Ao curar os cegos ele mostrou que todos precisam abrir os olhos e enxergar o que precisa ser visto. Em João, 10,10, ele resume tudo isso em uma frase: “eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância”.
E tem mais um detalhe, se ele saciou a fome de uma multidão, devolveu a visão aos cegos, fez os surdos escutarem e curou doentes, não foi para mostrar o que podia fazer e causar espanto, foi para mostrar que é isso que os que o seguem têm que fazer. Claro que nenhum de nós tem a capacidade de fazer milagres como ele fazia, mas temos a capacidade de fazer outros tipos de milagres, ao promovermos a justiça, em toda a sua amplitude.
As diversas faces de Cristo incomodam a você? O Cristo negro crivado de balas ou Cristo em forma de mulher vítima de violência são blasfêmias ou ofensas para você? Para um pouco e pensa: o que essa minha reação significa para o Cristo?
Para quem prefere o Cristo europeu, bem alimentado, cabelos e olhos claros ao Cristo magro, esquálido, moreno, de cabelos e olhos escuros, não seria o momento de reler o evangelho, quem sabe com um livro de geografia do lado, para se situar em relação ao local onde Jesus nasceu e viveu?
Encare a realidade, Jesus era pobre, pele, olhos e cabelos escuros, talvez nem uma sandália tivesse para andar, sua túnica devia ser bem surrada e andava acompanhado dos excluídos da sociedade.
Quando estiver contando os dividendos de seus ganhos, faria bem lembrar que Jesus falou que ninguém pode servir a dois senhores. Ou servirá a Deus ou ao dinheiro. É, ele disse isso. Que barra hein?
Vai agora me chamar de comunista? Pode chamar, não sou comunista, mas não me importo de ser chamada assim porque não considero xingamento.
O que eu sou realmente? Bem, faz um tempinho que venho tentando ser cristã. Apenas isso. Simples assim.
Obs: A autora é jornalista, blogueira e Assessora de Comunicação do IDHeC – Instituto Dom Helder Camara.
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