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Um filhote de cisne é chocado no ninho de uma pata. Por ser diferente dos demais filhotes, o pobre é perseguido, ofendido e maltratado por todos os patos e outras aves. Um dia, cansado de tanta humilhação, foge do ninho. No caminho uma família de camponeses encontra o “patinho” feio e ajuda-o a superar o inverno. Quando finalmente chega a primavera, a família devolve-o para o lago, onde ele abre as suas asas e se une a um majestoso bando de cisnes, sendo então reconhecido como o mais belo de todos.(http://pt.wikipedia.org/wiki/O_Patinho_Feio).
Esse é o resumo do famoso conto infantil escrito por Hans Christian Andersen e publicado pela primeira vez em 11 de novembro de 1843.
Toda família, toda sociedade e todo o mundo tem um denunciante. São aqueles indivíduos que sentem, inconscientemente, que sua família tem algo errado, algo diferente, que alguma ou várias peças não se encaixam. Do denunciante não foi conseguido esconder esse conteúdo. Mas alguns membros familiares também não sabem que escondem. Como disse, é inconsciente. O corpo do chamado patinho feio sente e denuncia dentro dele mesmo as dores familiares em forma de doença física e mental. Então, ao invés de ser o indivíduo que percebe o que está acontecendo, ele passa a ser para a família apenas o que adoece. E doente não tem força, é sinônimo de fragilidade, não serve pra muita coisa. Logo, toda a família do patinho feio encontra uma forma de depositar suas dores e suas angústias nele. Quem nunca ouviu as clássicas frases “Sou assim por culpa dele”; “Ele é a ovelha negra da família”; “Olha o que você está fazendo com todos nós?”.
Jean-Paul Sartre, filósofo francês, escreveu a famosa frase “O inferno são os outros” para explicar que a culpa é sempre do outro, nunca de quem se diz. No caso da família, esta se apropria dessa frase e pensa: “Os doentes são os outros”. O patinho inconscientemente assume a responsabilidade de que todas ou a maioria das angústias familiares são geradas por culpa sua. Ele é o estranho. Na psicanálise chamamos o patinho feio de paciente identificado.
Se o paciente identificado buscar ajuda terapêutica, talvez terá uma chance de “abandonar” esse papel imposto e aceito por ele. Aos poucos o patinho feio poderá entender que ele não é tão feio assim como o pintam e começa a perceber que os outros membros da sua família também são problemáticos. Como na história de Hans, quando o patinho foge da sua família e sai do “lugar de doente” , ele percebe que é diferente, mas diferente no sentido positivo. Ele é um cisne em crescimento. Ele não é o que a família dele disse ser.
Mas ainda há outro problema. Quando o paciente identificado começa a recuperar sua saúde mental, a família entra em crise pois começa a perceber que o problema também está em todos os membros. Então, sem perceber, começam a atacar o patinho feio para voltar para seu lugar de origem pois quando ele era o doente tudo estava em harmonia, tudo estava no seu “devido lugar”. Se o paciente identificado resistir, ele não voltará para o seu posto instituído, pois entendeu que agora está em um lugar melhor. Mas é claro que é um processo doloroso, pois nas relações familiares estão envolvidos vários sentimentos como amor, ódio, alegria, tristeza.
Se a família toda buscar ajuda terapêutica, o resultado poderá ser melhor ainda. Pois os membros da mesma entenderão que todos têm suas neuroses e principalmente responsabilidade por elas. Terão a oportunidade de re-significarem seus sentimentos e práticas no ambiente familiar, podendo até melhorar a qualidade de vida de todos os membros. É um processo lento, mas vale a pena.
Admitir seus erros e suportar suas angústias é um ato de coragem admirável. Ninguém é tão bom, maduro e bem resolvido como pensa. Geralmente, só nos aguenta quem nos ama de alguma forma.
Como Hans nos ensina, o que precisamos às vezes, é de um lugar que tenha pessoas que nos entenda e nos acolham suficientemente bem no inverno. A família pode ser esse lugar.
Obs: O autor é Psicólogo, palestrante, terapeuta de família casal.
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