Nei Alberto Pies 1 de fevereiro de 2020

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Antes da descoberta do Brasil (1444), em Portugal registrava-se o primeiro leilão de africanos escravizados, na vila de Lagos, Algarve. O início oficial do tráfico negreiro para a América veio pelo decreto de janeiro de 1510, emitido pelo rei Fernando, da Espanha, segundo Laurentino Gomes.

Em 1535 começam a chegar os primeiros escravos para os canaviais brasileiros. Em 1672, a cidade do Rio de Janeiro, com uma população de quatro mil moradores brancos, acumulava 20 mil escravos africanos. No ano de 1687 São Paulo tinha dez mil escravos para uma população branca de 1.500. O resto, sabemos como foi.

O poeta abolicionista, Castro Alves, descreve em versos condoreiros a cena funeral, infame e vil: “Era um sonho dantesco…o tombadilho/ que das luzernas avermelha o brilho,/ em sangue a se banhar”. Narra como os filhos de Agar foram tolhidos do ventre da mata, dos montes e cascatas, do vento livre que ondulava savanas. Eram cidadãos que viviam em tribos, nutridos pela pesca nos rios canoros, caça e favos de mel. Guerreiros, príncipes tragados de suas habitações com suas mulheres, filhos, crianças e donzelas lindas, logo acorrentadas. Muitos morriam no caminho ou nos porões lúgubres dos navios negreiros.

Quilombo

O Quilombo dos Palmares, depois de quase cem anos de resistência, foi destroçado pelas forças oficiais. A cabeça de Zumbi dos Palmares foi exibida no Recife em 1695. Todos tinham a natureza e Deus, mas os escravizadores negavam-lhes a alma e o corpo.

Sangue e liberdade

Foram 300 anos da maior injustiça social, em que os braços vigorosos dos escravos produziam riquezas para os brancos dolentes. Índios, que remanesciam das doenças que os dizimavam eram também assassinados ou subjugados. As forças oficiais garantiam o ritmo impudente dos grandes senhores que tripudiavam sobre filhos de Deus, açoitando, estuprando mulheres negras, mutilando homens, ao menor sinal de rebeldia.

E foi assim

Começava o debate no parlamento, mais acalorado no século XIX. A exemplo de tantos escravocratas, o celebrado escritor José de Alencar pregava a superioridade da raça branca e denunciava como sedição o crescente movimento de liberdade. Grande canalha! Para as oligarquias organizadas os escravos deveriam agradecer por produzirem as riquezas do país cujas leis os excluíam da condição humana. Joaquim Nabuco, José do Patrocínio (o Tigre da Abolição), Luiz Gama, André Rebouças, Rui Barbosa, Souza Dantas e tantos outros intelectuais sustentaram da tribuna, ou nos jornais a luta pela abolição.

Nas fazendas ou usinas de cana de açúcar ocorriam as fugas das senzalas. Era preciso muita coragem para fugir. O Tigre da abolição rugia perigosamente afrontando os escravocratas. Morreu pobre e abandonado, pagando o preço de uma luta libertária.

Consciência Negra

O sangue derramado pelo herói Zumbi dos Palmares simboliza a mais legítima causa emancipadora de nossa história. O valor de tantos bravos guerreiros fecundou a semente da libertação.

Justo e divino

A escravidão foi a maior e mais longa catástrofe de nossa história. Mas é impressionante como ainda hoje ouvimos vozes reducionistas e covardes tentando explicar as violações infames. A liberdade formal, pela Lei Áurea de 13 de maio de 1888, foi apenas um flerte circunstancial com o justo e divino, após séculos de imoralidade e covardia no estado brasileiro.

Valores
O ator e escritor Lázaro Ramos, no livro Na Minha Pele, trabalha a ideia do empoderamento e afeto. Destaca a importância de pronunciar os pendores, que são muitos, presentes na cultura negra.

O autor Lázaro Ramos fala sobre sua trajetória, racismo, ser um artista de destaque no país e as tensões do lugar que ocupa.

A religiosidade, que sempre acompanhou a humanidade em todos os lugares do planeta, a arte e a cultura formam esteira virtuosa de cooperação. E não nos surpreende a praticidade e objetividade na missão de crescimento humano. Menciona como instrumento de construção coletiva o curso pré-vestibular para a população de baixa renda no Instituto Cultural Beneficente Steve Biko. O nome é homenagem ao herói sul-africano mártir na luta contra o apartheid. É cidadão negro que agarra o próprio destino.

Esta coluna foi publicada no dia 21/11/2019, no jornal impresso O Nacional.

Celestino Meneghini, um jornalista reconhecido pelo seu talento de comunicar e escrever, também foi entrevistado neste site por outra jornalista, Márcia Machado. Confira a entrevista:

Celestino Meneghini: um eterno resistente

Obs: O autor é professor, escritor e ativista em direitos humanos, desde Passo Fundo, RS

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