Tenho uma pena danada da vírgula e do pretérito perfeito. De um e do outro. Ambos vítimas do desprezo de tanta gente diplomada. Parece até que há uma predisposição generalizada para não se usar a vírgula, e, por outro lado, para se utilizar o infinitivo no lugar do pretérito perfeito. À tona brotam as inimizades em Itabaiana nos meus tempos de infância. Na calçada de quem a gente ficava de mal (traduzindo: que cortava relacionamento de amizade), não se pisava. Evitava até caminhar no lado onde tais casas estavam localizadas. O que se faz com a vírgula, por exemplo, é ainda mais drástico, a ponto de, se no teclado do computador fosse retirado o seu sinal, para muitos, não faria falta.

Meu santo pai não sabia o que era uma vírgula. Nunca, nas suas cartas, bilhetes e anotações, dela fez uso. Não era só a vírgula. Também os demais sinais de pontuação. A propósito, assisti muitas cenas de vovô Zeca, no Aracaju, com carta de papai na mão, a colocar as vírgulas e os pontos, sempre acentuando o fato. De minha parte, depois, na rápida passagem por Teresina, me vi em situação igual, caneta na mão, também, a inserir as vírgulas para poder entender a mensagem. Mas, papai tinha plena razão. Nem o primário completo ostentava, já vendendo limonada, na feira, aos sete anos de idade.

E os que carregam título acadêmico superior, o que dizer? Vai ver que, em tempos passados, tiveram um problema com a vírgula, se engancharam na vírgula, as pernas se enroscando numa delas, de modo que, caindo aqui, caindo acolá, passaram a ignorá-la, enjôo da porra, fazendo nascer  uma inimizade eterna, ou, como a gente dizia em Itabaiana, inimizade de fogo a sangue, credo em cruz, ódio danado capaz de conduzir todos a outra guerra de cem anos. Por isso, eu tenho tanta pena da vírgula que já pensei em adotar uma para criá-la, colocando, previamente, um aviso nos jornais: adota-se uma vírgula, de preferência, entre as rejeitadas.

O pretérito perfeito é outro ponto antipático para tantos. Preferem o infinitivo, na primeira pessoa, absurdo sem igual, do que usar o pretérito perfeito, como se fosse factível a opção, eu fazer, eu conseguir, etc. e etc. Absurdo dos absurdos. Ah, o verbo conduzir veio no momento certo. Vejamos o exemplo, que muito já li: eu (ele, o sujeito que deixo oculto) conseguir isso e aquilo. E, eu (agora eu mesmo), de longe, tenho vontade de dizer que o sujeito conseguiu foi jogar pedra em santo, ao se esborrachar numa das mais elementares regras da gramática. O que tem santo por aí quebrado não cabe em campo de futebol. Arre!

Tivesse jeito para o comércio, ia montar um restaurante com o nome de Pretérito Perfeito, oferecendo abatimento a quem o conjugasse corretamente. Nas paredes, colocaria cartazes com o pretérito perfeito de vários verbos, para facilitar a aprendizagem e também para maior divulgação. O cardápio consignaria os pratos, com o acréscimo da declinação do pretérito perfeito nos verbos escolher e pedir. A conta, a ser entregue no final, iria em papel a trazer, no verso, um verbo declinado no pretérito perfeito, mostrando a diferença entre este e o infinitivo. E, ainda, em conta acima de determinada quantia, o freguês ganharia, de brinde, um livro com os verbos conjugados. Ou, então, o freguês teria um abatimento de dez por cento se conjugasse, por escrito, um verbo apontado pela direção da casa, no pretérito perfeito. Acertou: abatimento; errou: dez por cento a mais, para tomar vergonha.

Vou parar por aqui. Acho que, nesse exato momento, não estou de bom humor. Devo ter engolido brasa, para estar arrotando fogo.( 28 de setembro de 2019. )

Obs: Publicado no Correio de Sergipe
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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