Além de todas importantes e profundas implicações na “realpolitik” mundial, o reatamento das relações diplomáticas entre Estados Unidos e Cuba trouxe de volta um sonho que estava adormecido ou era considerado por alguns impossível ou “devaneio de idealistas”. Sim, a frase do presidente Obama, em bom espanhol, “somos todos americanos”, mais do que o ato político em si mesmo, significa que os melhores ideais de Thomas Jefferson, de Benjamin Franklin, de Simon Bolívar, de San Martin, de José Marti, de Abreu e Lima (entre tantos outros personagens históricos conhecidos e sonhadores anônimos) voltaram à pauta do futuro de nosso continente e de seus povos. Como gestor do programa de intercâmbio internacional para estudantes do ensino médio das escolas públicas estaduais (Programa “Ganhe o Mundo” da Secretaria de Educação de Pernambuco que, em três anos, já enviou 3383 alunos para cursarem um semestre letivo no exterior) tenho tido a oportunidade impar de conhecer mais profundamente o dia a dia, a cultura, os sistemas educacionais dos países parceiros, o “coração” e a “cabeça” de sua gente, dos seus educadores e de algumas de suas lideranças. Sem a mínima dúvida, posso afirmar que, parafraseando Gilberto Freyre, “eu ouço vozes, eu vejo as cores, eu sinto os passos de uma outra América que vem aí”. E o que eu “ouço, vejo e sinto” está ali bem pertinho, na próxima “esquina da história”. Alguns até dirão que não é mais um ideal ou sonho e sim uma necessidade pragmática para enfrentar os blocos econômicos que estão se formando neste mundo contemporâneo globalizado. Tanto faz. O que importa é que seremos inevitavelmente (e muito mais rápido do que a grande maioria pensa) uma única América, com um povo especialíssimo, resultado de um cadinho de miscigenação de raças e mistura de culturas que está acontecendo em todos os países de nosso continente, mas atualmente com maior intensidade e rapidez nos dois mais ricos e desenvolvidos. Apenas como ilustração vale a pena lembrar que, em 2050, a maioria da população dos Estados Unidos já não será mais de ”brancos não hispânicos”, pois latinos, negros e asiáticos corresponderão a 53% do total. E as principais cidades canadenses, para quem não sabe, já parecem um crisol genético universal. Tem de tudo. Lindo! Bem, como o contexto é novo (muchas gracias Papa Francisco, por tudo, em todas as áreas e dimensões) gostaria então de denominar o antigo sonho de uma maneira também nova. Não mais “Pátria Grande” ou “Pan América”, mas sim “Grande América”. Do Alasca a Patagônia, uma única grande federação de países, com mais de um bilhão de cidadãos e cidadãs, tendo o inglês, o espanhol, o português e o francês (em respeito e consideração com a população francófona da província canadense de Quebec) como línguas oficiais. E essa nova “Grande América”, com todo mundo “junto e misturado” (imaginem chamar de “nosso” Gabriel Garcia Márquez, Jorge Luis Borges, Gabriela Mistral, Miguel Ángel Asturias, Pablo Neruda, Octavio Paz, Mario Vargas Llosa, Hemingway, Allan Poe, Ralph Emerson, etc e eles chamando “de deles” Carlos Drumond, Augusto dos Anjos, Vinicius de Moraes, Mario Quintana, Ariano Suassuna, Jorge Amado, Chico Buarque, Tom Jobim, Luiz Gonzaga, etc) terá como pilares o bem comum, a justiça social, a liberdade, a democracia, a independência dos poderes e a convivência fraterna e pacífica entre os povos e as nações que a comporão. E mais: essa unidade será construída de baixo para cima pelas novas gerações. Quem viver verá! ps: e Pernambuco estará na vanguarda deste processo. Aliás, já está.
* Publicado no Jornal do Commercio, 30-12-2014, Opinião JC, página 8.
Obs: O autor, Prof. Dr. Aurélio Molina, Ph.D pela University of Leeds (Inglaterra) é membro das Academias Pernambucanas de Ciências e de Medicina, professor da UPE, Coordenador do Programa Ganhe o Mundo.