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Certa vez, eu e minha esposa recebemos uma senhora e sua filha para um almoço em casa. Conheço a difícil história dessa família. Por muitas vezes passou fome e incontáveis vezes apanhou do ex-marido. Comprei um chocolate pra sua filha comer depois do almoço e logo fui repreendido pela mãe: “Obrigado, meu filho, mas não é bom que você compre essas coisas para ela, pois não tenho dinheiro para comprar, ela não pode se acostumar com coisas que não posso dar”. Elas almoçaram e eu com a cabeça de um indivíduo classe média pensei que a menina logo comeria o chocolate após ter almoçado. Pelo contrário, a criança guardou aquele chocolate para comer um dia em que, talvez, não tivesse comida. A mãe dela também me pediu se poderia guardar o que sobrou do almoço.
Lembrei-me do livro Educação Social de Rua, de Valter Ferreira. No livro, uma das educadoras que trabalhava com meninos de rua conta a sua infeliz tentativa de fazer um menino feliz. A educadora levou a criança para um aniversário de seu sobrinho para ele estar em um ambiente diferente do que vê na rua e também para comer todas as gulodices que todo aniversário tem. Mas deu tudo errado. O menino não gostou de estar lá, se entristeceu ao ver os pais com seus filhos juntos, e disse também que sabia que nunca teria um aniversário com festa.
Vi uma publicação no Facebook de uma igreja batista do Rio de Janeiro que me comoveu. Não aguentei. Tive que começar a contribuir. A igreja estava fazendo uma campanha para ajudar líderes do Haiti, que têm a rotina de levantar às 04 da manhã, pegar uma sacola e sair pelas ruas pedindo comida para eles e para a comunidade. Por vezes, passam o dia sem conseguir nada, até porque a fome é generalizada por lá. Em média, um haitiano come duas vezes por semana. Não escrevi errado! São duas vezes por semana mesmo!
Muitas dessas pessoas estão desesperançosas. Não acham que poderão um dia comprar um chocolate por mês, um dia ter uma festa de aniversário ou conseguir comer duas vezes por dia. Não escrevo para aparentar uma certa bondade ou mostrar como sou engajado socialmente. Nem quero fazer o papel do apresentador televisivo e sanguinário Datena. Pelo contrário. Muita gente da classe média brasileira (para não falar da classe alta), se encontra alienada em si mesma. Comem demais e desperdiçam muita comida; bebem demais; saem de um velório e já vão para balada. Querem estar sempre cheios de todo tipo de experiência que os façam gozar a vida enlouquecidamente. Gostam de falar muito sobre si mesmos, compram roupas que não vão nem usar, acham que pobre é vagabundo por não ter uma casa própria, mas a casa que têm foi comprada pelo pai.
O problema da classe média ( não me isento disso) é que estão cheios demais e não vazios demais. De tanto tentarem se encher o tempo todo de tudo “um pouco”, paradoxalmente, estão cada vez mais vazios. Quando tentamos a todo modo preencher nosso tempo, ficamos cegos para ver o tempo dos outros. Por isso que vemos uma sociedade cheia de pessoas que só olham para o próprio umbigo, para o próprio carro, e, se possível, viram a cara para não ver as desigualdades ao seu redor. A banda Tianastácia tem uma música cujo o refrão diz “Cabeça vazia, cheia de informação, de noite e de dia, é oficina do diabo, então”. Vale a tentativa de diminuirmos nosso consumo, nossas atividades e a busca desenfreada por algo que não sabemos o que é. Às vezes, é melhor estarmos meio vazios, para sobrar espaço para nos enchermos de coisas novas.
Se você está começando a doar algumas coisas que achou que amava, se está dividindo coisa que antigamente nem pensava em dividir, se está se compadecendo pelo sofrimento do outro… Parabéns! Você não está saindo da classe média, mas a classe média está saindo de você!
Obs: O autor é Psicólogo, palestrante, terapeuta de família casal.
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