Na roda de ontem minha amiga e colega de contação trouxe uma história sobre um mestre budista que coloca uma venda nos olhos, pega um arco e flecha e tentar acertar no alvo. Ele erra. Então ele diz para seu discípulo que não existe a possibilidade de acertar sem estar com os olhos abertos para enxergar o alvo. Essa história me trouxe muito para a questão dos relacionamentos modernos. Constantemente tenho pensado na maneira como nos relacionamos hoje em dia. O que sinto é que estamos todos muito confusos e perdidos. Com os olhos vendados.
Ontem, após um longo período de “reclusão”, resolvi sair para dançar. A noite certamente é um ambiente que te faz perder a fé no amor e nas pessoas. Hoje em dia, para mim, é um ambiente hostil, completamente desprovido de amor. Nesse período de reclusão, aprendi muita coisa sobre mim e ao olhar com mais cuidado para a maneira como nos relacionamos, escutando nossos discursos com mais atenção, descobri muita escassez. Falta amor, falta cuidado, falta verdade, falta diálogo.
É triste que nossas grandes decepções venham justamente de nosso lado mais bonito que é essa capacidade e vontade de amarmos e sermos amados. Mas, entendi que estamos fazendo isso de maneira equivocada. Sim, cada um aceita o amor que acha que merece, portanto sei que não posso mudar isso no outro, mas tenho 100% de responsabilidade perante a maneira como escolho me relacionar, o que dou e o que aceito.
Os discursos são todos muito parecidos, as histórias também. Onde falta amor e cuidado para com si e para com o outro, sobra muita incoerência. Sobram também rótulos. As mulheres discursam sobre os “babacas” e “cafajestes” e os homens sobre “vagabundas” esquecendo que ninguém é babaca sozinho. Entristece-me ver a quantidade de migalhas que damos e que aceitamos.
A verdade é que, todo mundo já foi babaca com alguém ou sofreu por alguém. E ao olhar para tantos corações partidos, e para o meu próprio coração que também já foi partido, me dei conta de que estava me fazendo as perguntas erradas. Se pensarmos bem dá para substituir o “por que ele é babaca comigo e me faz sofrer?” por “por que coloco na mão do outro tanto poder e principalmente o poder de me fazer feliz?”. Não dá para achar que a felicidade é algo tão simples assim que possa vir de fora. Não dá para superdinamizar os relacionamentos e viver achando que a felicidade mora no outro.
É um grande erro dizer “não faça com os outros o que você não gostaria que fizessem com você”. Nós não temos controle sobre como o outro vai agir ou nos tratar, então não dá para agir sempre pautado pelo que o outro faria e viver esperando que o outro faça por você algo que só você mesmo pode fazer por você. Colocamos no outro uma responsabilidade que é tão somente nossa. A felicidade é uma escolha consciente que deve ser feita todos os dias. E se o outro faz algo que pode te fazer sofrer, você ainda tem escolha de como se sente em relação à isso.
Houve um tempo em que as escolhas eram muito limitadas ou quase nulas. A regra era casar e ter filhos. Hoje nos foi dado poder de escolha, é difícil falar nesse assunto sem parecer conservadora. Mas eu vejo que papéis foram invertidos, que estamos perdidos, e principalmente que ter muita opção é quase igual a não ter escolha alguma. Então é preciso parar e retomar alguns valores que foram perdidos. É preciso mais cuidado para consigo mesmo e para com o outro. Se engana quem acha que liberdade tem a ver com estar solteiro. O que vejo é o contrário, vejo um monte de gente solteira que está atada, presa à rótulos e fragmentos, com os olhos vendados e tentando acertar o alvo, como o monge daquela história.
A liberdade não tem a ver com status de relacionamento, ela tem a ver com saber viver sozinho e mesmo assim escolher alguém para estar ao seu lado, com poder sair e se divertir sem esperar algo do outro, com você aprender que é responsável pela sua felicidade, que pode ser feliz sozinho, e também não dá para confundir estar solteiro com estar bem sozinho.
E tem gente que vê alegria em tudo isso. Para mim, não existe alegria em tratar pessoas como se fossem descartáveis, muito menos em se fazer descartável. Não tem nada de alegre em viver constantemente viciado na busca e não no encontro, não existe alegria em palavras rasas, sem olho no olho, sem propósito, em promessas vazias. Somos uma geração que vive de raspas e restos e confunde isso com liberdade, sem enxergar que a verdadeira liberdade está mesmo na escolha de sermos inteiros para nós, para o outro, para o mundo.
Obs: Imagem enviada pela autora.