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Após as recentes beatificações e canonizações de santos brasileiros – e já era tempo para isso – está havendo verdadeira onda de dioceses e congregações religiosas, querendo a todo custo a beatificação de seus bispos e fundadores. É ótimo como modelos de santidade a serem apresentados para estímulo e imitação do Povo de Deus. Mas, agora vem a pergunta: “E basta a propaganda?”

Em primeiro lugar, a Igreja faz exame minucioso de todos os livros, escritos e pronunciamentos do candidato à honra dos altares. Diante de um tribunal, especialmente criado na diocese, testemunhas, cuidadosamente selecionadas, atestam sob juramento que o servo de Deus – assim é o nome jurídico que ele assume ao iniciar-se a causa – praticou em grau heroico as virtudes teologais da fé, da esperança e da caridade, e as chamadas virtudes cardeais, prudência, justiça, fortaleza e temperança. Tal processo, uma vez concluído favoravelmente, é remetido a Roma, onde uma Congregação específica, a Congregação para as Causas dos Santos, conforme as normas da Constituição Apostólica Divinus Perfectionis Magister de 1983, reexamina todo o processo diocesano. Com o feliz encerramento do processo apostólico, o Servo de Deus recebe o título de Venerável. Passa-se então ao exame dos milagres obtidos por sua intercessão. São geralmente curas com duas características fundamentais: terem sido recebidas pela invocação exclusiva do candidato e não terem nenhuma  explicação científica possível. Há uma junta médica em Roma, que examina cada caso apresentado. Hoje a legislação exige um milagre para a beatificação e outro para a canonização. Antes, eram dois para cada etapa da causa. O Papa, é claro, tem poder para dispensar o candidato dessa exigência, como fez agora o Papa Francisco relativamente ao beato João XXIII.

Tive em minha vida duas experiências negativas a esse propósito. Procurei dissuadir o superior geral de uma congregação brasileira de iniciar o processo de beatificação de seu fundador, do qual fui uma espécie de secretário. Apesar de ser homem notável por suas realizações – e mais ainda por suas criações, até de uma língua – escreveu um livro com expressões pouco cristãs, referentes a uma nacionalidade. Também quando jovem seminarista, ouvi de certo missionário músico, que perdera o concurso para escolha do hino de um congresso eucarístico, a afirmação: “Não é nada perder, mas perder para um time de segunda categoria”… Tal expressão me pareceu extremamente vaidosa. E sua causa de beatificação está seguindo em nível diocesano… A uma superiora de congregação religiosa brasileira, informei que me recusava a depor na causa de seu Fundador, apesar de admirá-lo muito e ser seu amigo, mas não acho que ele praticou virtudes em grau heroico.

No Nordeste salesiano, temos o Arcebispo de Fortaleza, Dom Antônio Lustosa, que João Paulo II na capital cearense proclamou “ santo e sábio Arcebispo”. Pena que tal afirmação particular do Papa não vale como declaração canônica de santidade…

Convivi em S. José dos Campos, de 1947 a 1949, com um verdadeiro santo: o Venerável Pe. Rodolfo Komorek. Sua causa em Roma foi concluída com pleno êxito. Depus em três tardes diante do tribunal diocesano de Taubaté  e depois, tive a alegria de ler as sentenças dos nove juízes romanos, todas elas entusiasticamente favoráveis à declaração de santidade do “padre santo”, como era chamado Padre Rodolfo em vida. A sentença final, favorável, é de 29 de novembro de 1994, assinada pelo Mons. Sandro Corradini, o Promotor da Fé, que leva no vulgo o nome  de “advogado do diabo”, porque tem por missão procurar possíveis defeitos na vida do candidato aos altares. Só falta agora o milagre.

Daí se vê que não é a propaganda que faz o Santo na Igreja, embora ela seja necessária, e até imprescindível, para que a vida e as virtudes do candidato sejam conhecidas pelo povo de Deus e possa ele ser invocado como intercessor nas necessidades. Talvez seja isso que esteja faltando no processo do “padre santo” de São José dos Campos e do arcebispo “sábio e santo” de Fortaleza…

Obs: O autor é  arcebispo emérito de Maceió.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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