Houve uma época em que cantar o hino nacional ou exibir a bandeira do Brasil era motivo de vergonha, revolta, tristeza… eram os chamados anos de chumbo, da ditadura que perseguia, prendia e matava… era o tempo em que sentíamos vergonha de ser brasileiro.
Era o tempo dos exílios forçados, das saudades dolorosamente curtidas, do medo, da angústia, das perdas e das lágrimas.
Mas, passados os primeiros momentos, tornou-se o tempo da luta e da esperança.
Do exílio na Itália, Chico enviava sua parceria com Jobim para concorrer ao Festival Internacional da Canção, que dizia: “vou voltar, sei que ainda vou voltar, para o meu lugar, foi lá e é ainda lá, que eu hei de ouvir cantar uma sabiá…”
Seu compadre, o poetinha, finalizava seu poema “Pátria Minha” dizendo: “Não te direi o nome, pátria minha / Teu nome é pátria amada, é patriazinha / Não rima com mãe gentil /Vives em mim como uma filha, que és /Uma ilha de ternura: a Ilha Brasil, talvez.
Agora chamarei a amiga cotovia/ E pedirei que peça ao rouxinol do dia / Que peça ao sabiá / Para levar-te presto este avigrama:/ “Pátria minha, saudades de quem te ama…/ Vinicius de Moraes.”
Vandré, sofrendo as agruras do exílio forçado, cantava em um festival do Peru: “Se é pra dizer adeus, pra não te ver jamais, eu que dos filhos teus, fui te querer demais …” e Pátria lhe respondia: “Amado meu sempre será, que me guardou, no seu cantar…”
Pátria minha, Pátria amada, Pátria nossa! O tempo passou, a ditadura acabou e os filhos teus voltaram.
E houve finalmente um tempo de paz! Vestir a camisa do Brasil, cantar o hino, dizer lá fora com orgulho que nasceu no País que saiu do mapa da fome, que elegeu um operário e depois uma mulher para ser presidenta, era tão bom, que a gente chegou a pensar esse seria, para sempre o nosso país. O país onde milhões de pessoas que antes mal comiam uma refeição, agora podiam comer três. Um tempo onde quem nunca tinha entrado em um shopping, podia entrar e comprar sua TV ou quem nunca havia viajado de avião, agora lotava as salas de espera dos aeroportos, indo, finalmente, visitar as famílias distantes.
Foi o tempo feliz, com menos fome, menos miséria e mais cidadãos e cidadãs. Mas durou pouco esse tempo de paz para essa mãe que adora ser gentil, mas, nem sempre consegue.
Essa Pátria que deveria ser o aconchego e o alento de seus filhos, às vezes parece tão ingrata! Se já não os expulsa mais por questões políticas, agora os manda embora por causa da violência ou por questões econômicas. Ou por desencanto, por desalento.
E, de repente, os tempos ruins voltaram. E a Pátria nem tão independente como gostaríamos que tivesse se tornado, nem tão amada quanto deveria, um tanto sofrida, um tanto chorosa, a terra onde cantam os sabiás, dos altos coqueiros, das praias verdes, do céu azul, do contraste entre a grande pobreza e as pequenas riquezas, da seca, das enchentes, do frio e do calor, é a nossa Pátria, para onde, de alguma forma, sempre se quer voltar, quem sabe pra ouvir o canto da sabiá. Afinal, segundo Gonçalves Dias “as aves que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá…”
E, em meio a saudade e a vontade de voltar ou de ficar, vão indo embora tantos talentos, levando consigo o alento dos que ficam, em seu lugar apenas uma saudade… tudo porque a Pátria amada parece já não poder mais responder como na música de Vandré: “amado meu, sempre será, quem me levou no seu cantar, quem me levou além do céu, além dos seus e além do mar”… porque parece ficar cada vez mais difícil ficar ou sair e levar uma Pátria para amar…
Pátria nossa tão sozinha, abre os braços e grita aos ventos: quero de volta todos os meus rebentos, quer tê-los em meus braços, niná-los com as cantigas das águas que correm dos meus rios para o mar. Quero amá-los sem pudor. Acolhê-los todos em meu ventre e lhes dar, a cada momento, uma razão para ficar.
Obs: A autora é jornalista, blogueira e Assessora de Comunicação do IDHeC – Instituto Dom Helder Camara.
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